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A evolução na cunhagem de moedas

Entre os objetos de coleção mais famosos e fabricados pelo homem, certamente as moedas se posicionam em cima da lista. Em comparação com outros objetos criados e colecionados, apenas nos últimos séculos, a exemplo dos selos, as moedas contam com mais de 3.000 anos de história. Do ponto de vista do colecionador, significa estar restrito a acervos limitados a uma determinada nação ou período histórico de seu interesse, haja vista ser humanamente impossível pensar em uma coleção de todas as moedas fundidas, batidas ou cunhadas em todo o mundo, desde os seus primórdios.


1ª PARTE - INTRODUÇÃO

A maioria dos apaixonados pelo nobre hobby de colecionar moedas, dedica-se às peças modernas, particularmente as utilizadas nos séculos XIX e XXI; a coleção de moedas de 2 euros tornou-se uma "febre" entre os colecionadores europeus. É uma coleção bastante simples, desde que iniciaram as cunhagens em 2002. A sua contínua e sistemática produção de novas peças para coleccionar, em média cerca de vinte por ano, estimulam essa forma de colecionismo. Outro fator a estimular a coleção de moedas de 2 Euros, é que a maioria das moedas podem ser encontradas em excelentes condições, com imagem e a escrita nítidas e perfeitas, o que torna fácil a sua identificação e catalogação de acervos.

Figura: Cunho produzido por falsificador em época romana antiga, usado para forjar os denários emitidos em nome de Domiciano nos anos 80-81 DC, período em que ainda era imperador (69-81 DC). Trata-se de um cunho muito singular por estar gravado em relevo, não servindo para cunhar diretamente o disco, mas para preparar o molde no qual a moeda falsa seria então produzida por processo de fusão. O cunho foi fabricado em ferro, com peso atual, após o desgaste, de 47,43 gramas e traz, além do retrato de Domiciano, a legenda CAESAR DIVI F DOMITIANVS COS VII.

Desde os primórdios da atual Turquia, a moeda tem funcionado como um eficaz instrumento de propaganda, um importante veículo de comunicação de massa. Quando surgiu na Lídia, por volta do VII século a.C., sua função principal deveria ser a de facilitar os processos de troca. Todavia, em pouco tempo os detentores do poder compreenderam a sua inegável força comunicativa e propagandística.

Hoje é comum vermos o busto de um soberano inciso em moedas como marca de um poder constituído. No Brasil, por exemplo, o primeiro a retratar-se nas moedas foi D. João V, gravando seu busto no anverso da série das dobras. A partir de então, foi seguido por seus sucessores que passaram a estampar a sua própria imagem no anverso da moedagem autífera. A partir do Império, essa conduta se estendeu também à prata e a outros metais como o bronze.

Figura: D. João V foi o primeiro monarca a retratar-se nas moedas brasileiras


Na antiguidade, as notícias não corriam com a velocidade dos tempos atuais. Não existiam jornais, revistas e muito menos os notáveis recursos tecnológicos da informática. As moedas, por assim dizer, eram os arautos dos acontecimentos importantes do mundo antigo. Os macedônicos que vissem, por exemplo, sobre a face de uma moeda (figura abaixo), a imagem de Hércules portando uma pele de leão cobrindo a cabeça, e na outra face a imagem de Zeus sentado, carregando um cetro na mão esquerda e uma águia na direita, acompanhado da legenda ALEXANDROU, com certeza diriam: “Vejam, temos um novo rei!”

Figura: Tetradracma de Alexandre III, 336 a.C.


Apesar da imagem acima sugerir que Alexandre III havia subido ao trono no lugar de seu pai assassinado, Filipe II, o busto que se vê na moeda não retrata o grande "condottiero" e sim a “sua imagem” divinizada através do busto de Hércules.

Destarte, apesar da imagem conter uma forte mensagem do poder investido pelo jovem comandante, não podemos dizer que Alexandre III foi o primeiro a retratar-se em uma moeda.

Comunicar à população a ascensão ao trono de um novo soberano que acabara de assumir o poder, o triunfo em uma importante batalha, ou recordar o passado como faziam os romanos em moedas como a da figura a seguir, retratando a cena do Rapto das Sabinas*, ao longo dos séculos e por muito tempo foi uma importante função das moedas, documentos históricos de uma época que nos contam muito da vida e costumes de uma inteira civilização.

Figura: Roma antiga - Denário batido pelo magistrado Lucio Titurio Sabino (L . TITVRIVS), retratando no anverso Tito Tácio com barba (em latim Titus Tatius), na mitologia romana, rei dos sabinos, no tempo em que Rômulo reinava em Roma; no reverso, incisão retratando o Rapto das Sabinas.


Nota*: O Rapto das Sabinas é o nome pelo qual ficou conhecido o episódio lendário da história de Roma em que a primeira geração de homens romanos teria obtido esposas para si, sequestrando as filhas das famílias sabinas vizinhas. Narrado por Lívio e Plutarco, serviu como tema para diversas obras de arte do Renascimento e pós-renascentistas, que uniam um exemplo apropriadamente inspirador da audácia e coragem dos antigos romanos, com uma oportunidade de retratar diversos personagens, incluindo figuras seminuas, heroicamente envolvidas numa disputa intensa e passional. Entre temas semelhantes da Antiguidade Clássica estavam, por exemplo, a batalha dos lápitas contra os centauros e o tema da Amazonomaquia, a batalha de Teseu contra as amazonas. Um tema semelhante, extraído do Cristianismo, foi observada no episódio do Massacre dos Inocentes, retratado por geniais pintores a exemplo de Pieter Paul Rubens.


A MOEDA COMO INSTRUMENTO DE PROPAGANDA

Em pouco tempo a moeda assumiu a função de instrumento de propaganda política e de culto às personalidades. Muitas famílias romanas lançaram mão dessa forma de ostentação carregada de vaidade, retratando seus componentes em diversas moedas privadas.

Apesar de ser uma prática antiga, não chegavam a constituir uma expressão verdadeira e própria de um poder constituído. Isso só seria possível quando um soberano, um ditador ou um usurpador toma para sí a condição de reinante, estampando seu próprio vulto nas moedas oficiais.


ALEA IACTA EST

Em “De Vita Cesarum”, Suetônio nos diz que foi essa a frase pronunciada por Júlio César ao atravessar com seu exército, o Rubicão, na noite de 10 de janeiro de 49 a.C., violando aberta e publicamente a lei que proibia o ingresso armado no perímetro de Roma; Júlio César era consciente de seu poder político e sabia com certeza a medida do seu gesto que nada tinha de impulsivo. Destarte, ao violar a lei ingressando no perímetro romano armado, Júlio César conduziu os romanos à sua segunda guerra cívil, combatendo contra as forças de Pompeu, seu aliado no passado juntamente com Crasso, no primeiro Triunvirato. Após quatro anos de intensa batalha, decisiva para o destino de Roma, o homem considerado um grande estadista por uns, um genocida, satírico e homicida intencional por outros, consagra-se vencedor.

Figura: Roma antiga - Denário C. IVLIVS CÆSAR / M. Mettius. Anv: CAESAR IMP, cabeça laureada de Júlio César, voltada à direita. Atrás da nuca um “lituus” (trompa romana) e um “culullus” (taça). Rev: M. METTIVS, Vênus de pé voltada à esquerda, com a Vitória na mão direita, um cetro na esquerda, apoiando o cotovelo esquerdo em um escudo colocado sobre um globo. Prata, Ø: 18-21 mm, peso: 3,22-4,35 gramas, 44 a.C..


Julio César foi um dos primeiros a compreender o potencial das moedas como meio de comunicação e propaganda política. Foi o primeiro romano vivente, depois de mais de 400 anos de República, que ousou estampar sua figura em vestes de um Rei, retratando-se com seu busto de perfil, usando a coroa imperial de louros, ousadia que viria a contribuir para a conspiração que culminou com o seu assassinato.

A partir de então, o ANVERSO das moedas passou a se configurar como exclusivo apanágio da monarquia e de todos aqueles que, de forma democrática ou com o uso da força, assumiram o poder de uma inteira nação.

Os incisores e artistas romanos eram muito habilidosos em retratar o vulto de Júlio César à perfeição. Foi próprio a ordenar que fosse refeito o cunho de uma moeda por 3 vezes consecutivas, exigindo que os sinais do tempo que o faziam parecer mais velho, fossem retocados, dando-lhe aspecto mais juvenil.

Figura: Roma antiga - Marco Júnio Bruto. Denário de prata (3,52 gramas), 42 a.C.. Casa da Moeda itinerante, no norte da Grécia. Anv.: L. Plaetorius Cestianus, magistrado. BRVT acima, IMP antes, L PLAET CEST, cabeça nua de Bruto (Brutus), voltada à direita. Rev.: EID MAR (idos de março), píleo (barrete em forma daquele hoje usado pelos bispos) entre dois punhais. O exemplar que aparece, em excepcional estado de conservação, foi leiloado nos EUA.


Marco Júnio Bruto (figura acima), o mais conhecido entre os assassinos de Júlio César, fez bater uma moeda que pode ser considerada um autêntico spot publicitário. A mensagem no seu denário é transparente e fortemente comunicativa, e diz: “Eu, Bruto, liberei vocês romanos do ditador, assassinando-o com a minha espada, no dia dos idos de março”.

De fato, sobre o anverso do denário aparece o busto de Bruto com seu nome; no reverso, o barrete (píleo) símbolo da liberdade, colocado entre duas adagas onde aparece a escritura EID MAR, que indica “os idos de março” do calendário solar juliano, dia 15 do mês, do ano de 44 a.C., data do tiranicídio.


Na antiguidade, os meios de comunicação como hoje os entendemos, inexistiam. As notícias se propagavam, em sua grande parte, através do disse-me-disse do dia-a-dia da população. Os comerciantes que viajavam, muitas vezes a localidades distantes, eram os autênticos disseminadores das notícias do mundo antigo, levando e trazendo informações além dos confins do mundo civilizado.

A moeda era de fato o único e verdadeiro instrumento de mídia em condições de comunicar à distância, enviando mensagens a todos os povos. Nos dias de hoje, a maioria (a quase totalidade da população) perdeu completamente o hábito de observar atentamente a mensagem trazida até nós por uma moeda, mas na antiguidade estes pequenos mas potentes instrumentos da documentação histórica dos povos, eram observadas com a devida atenção, tendo um valor talvez bem maior do que a expressão do seu próprio valor nominal.

A moeda foi para os antigos o que hoje entendemos como meio de comunicação eficaz. Criou a possibilidade de imprimir sobre uma das suas faces, imagens, símbolos, retratos e mensagens; A circulação e, consequentemente, a difusão da moeda, mesmo em zonas remotas e distantes do local onde foram batidas, mantinham “viva” a mensagem que carregavam. Enfim, sua função de servir como medida de valor e instrumento de pagamento de bens, possibilitou que vagassem de mão em mão, levando aos mais longínquos rincões as mensagens que ainda hoje ecoam no tempo e chegam até nós, testemunhos da história da humanidade.


A seguir, algumas moedas brasileiras retratando monarcas que fizeram a história do Brasil.

Figuras: De cima para baixo, a partir da esquerda: D. João V, o primeiro soberano a ordenar que sua efígie fosse incisa em moeda; D. José I; D. Maria I e D. Pedro III; D. João Príncipe Regente, D. Pedro I (a raríssima peça da coroação, talvez a moeda mais cobiçada da coleção numismática brasileira) e D. Pedro II, ainda menino.


Teorias sobre o nome Moeda

O nome moeda, em tempos antigos, era associado à uma divindade que remonta às origens da Itália, conhecida como Giunone Moneta, com templo na Arx ou cidadela do Campidoglio. Em 345 a.C. o templo foi aumentado e em 269 a.C., nesse mesmo local, nasceu a primeira Casa da Moeda que bateu os primeiros denários de prata.

Essa Casa da Moeda foi edificada no local da casa de Manlio (Marco Manlio Capitolino Patrizio durante a República Romana, foi cônsul em 390 a.C.) que em 396 a.C., acordado pelo rumor dos gansos que eram criados em honra da divindade, deu o alarme da aproximação dos Gauleses invasores. A Casa da Moeda foi colocada sob a proteção da Deusa Moneta. Ali eram tidos em custódia o tesouro e tudo o que os romanos haviam obtido na conquista de Taranto e da Itália meridional. Assim, o nome da Deusa passou, na linguagem popular, a ser associado ao produto da Casa da Moeda colocada sob sua proteção.


Uma segunda teoria diz respeito a um adjetivo que deriva do púnico e que corresponde a machanat ou am machanat, palavra encontrada nos Tetradracmas púnicos que circulavam na Sicília durante os séculos V e IV a.C. e que significa acampamento, exército. Dessa forma, moeda, segundo esta teoria, resulta ser a redução latina, através da forma grega, da citada palavra semítica.

Figura: República Romana (César em Gália) - C. Coelius Caldus (cônsul, magistrado monetário). Denário, 51 a.C. D/ C. COEL. CALDVS. Cabeça do cônsul C. Coelius Caldus voltada à direita encimando o dístico COS; à esquerda um estandarte e à direita a figura de um javali. No reverso, personagem sentado à esquerda, entre dois troféus / L CALDVS VII VIR EPVL / C.CALDVS / IMP A X / CALDVS III VIR. O magistrado monetário era o responsável, perante o Estado, pela emissão das moedas, devendo controlar seu peso, quantidade e liga metálica.

Figura: Os Triúnviros. Otaviano, denário de prata (21 mm; 3.65 gramas).

Figura: Sestércio, Tibério Gêmelo e Germânico Gêmelo (35 mm; 27,05 gramas).


Definição de Moeda

A moeda é um instrumento de intermediação de troca que estabelece o valor dos objetos trocados, representando a sua equivalência. É um meio intermediário de escâmbio (permuta), dessa forma facilitando a troca comercial. Sua função é, única e exclusivamente, aquela de representar o valor de um bem, deixando a quem a recebe em pagamento, a decisão de receber moeda ou mercadoria equivalente.

Tratar a moeda como mercadoria tem sido um dos erros dos governantes a partir do final do século XIX, com a mudança do entendimento do conceito de riqueza. Perdendo sua função principal, e sendo extremamente desejada, a moeda passou a ser vítima de constante especulação, fazendo com que por vezes lhe seja atribuído valor maior ou menor do que realmente representa, gerando inflação, recessão e outros problemas derivados do seu mau emprego.

Das moedas de contagem às moedas metálicas

Presume-se que há pelo menos 35 mil anos, instrumentos de caça e pesca, e mesmo as rudimentares armas de guerra, deviam se prestar a objetos de troca, possuindo um “preço” estabelecido através de uma prática comercial que, apesar de primitiva aos nossos olhos, era eficiente para a sobrevivência dos grupos humanos que vagavam pelo planeta. O desenvolvimento da pecuária e da agricultura acabou por relegar as atividades de caça e pesca a uma função secundária; dessa forma outros bens passaram a regular as atividades de troca.

Entre os povos pastores, o objeto principal de referência de troca não podia ser outro que a ovelha, enquanto aqueles que se dedicavam a agricultura e à pecuária usavam o boi como moeda. Era importante que estes animais possuíssem uma função de medida comparativa de valor, de forma a servir como instrumento de troca numa economia que era fundamentada essencialmente na atividade agrícola.

Com o lento progresso do comércio e do tráfico e também devido ao desenvolvimento social dos vários povos existentes sobre a Terra, desenvolveu-se paulatinamente um sistema de medidas que acabou por criar uma unidade de peso que passou a agir como “moeda”, intermediando trocas e passando a associar, aos bens materiais, um determinado valor. Através de sucessivas transformações, diversos sistemas metrológicos foram criados sendo aquele duodecimal, por derivação sexagesimal, o mais usado e de clara origem religiosa, em uso na Babilônia.

Alguns gêneros de produtos, pela sua utilidade, passaram a ser mais procurados e aceitos do que outros, passando a assumir a função de moeda, circulando como elemento intermediário na troca por outros produtos e servindo para avaliar-lhes o valor; eram as chamadas moedas-mercadoria. O gado e o sal eram bem aceitos como instrumento de troca e acabaram por deixar registros em nosso vocabulário. Até hoje empregamos palavras como pecúnia (dinheiro) e pecúlio (dinheiro acumulado), derivadas da palavra latina pecus (gado).

A palavra capital (patrimônio) vem do latim caput (cabeça). A palavra salário (remuneração, normalmente em dinheiro, devida pelo empregador pelo serviço do empregado) tem como origem a utilização do sal, que na antiga Roma servia como pagamento de serviços prestados aos soldados.

Com o passar do tempo, tais mercadorias tornaram-se um inconveniente às transações comerciais, não só em virtude da oscilação de seu valor, mas principalmente por não serem fracionáveis, além de facilmente perecíveis, não permitindo o acúmulo de riquezas.

Com o tempo se fez extremamente necessária a introdução de um elemento capaz de representar todas as mercadorias, de tal forma que pudesse agilizar as trocas. Se uma determinada mercadoria fosse do interesse de alguém, bastaria pagar por ela, sem a necessidade de troca. Basta imaginar dois comerciantes, com duas mercadorias distintas A e B. O proprietário da mercadoria A deseja a mercadoria B, mas o proprietário desta não tem interesse na mercadoria A, e sim numa terceira mercadoria C, vendida em outra cidade.

É fácil entender como a moeda facilita o processo. Basta que o dono da mercadoria A pague, com moeda, pela mercadoria B; este por sua vez, com a moeda recebida, satisfaz seu desejo em adquirir a mercadoria C, pagando por ela com a mesma moeda recebida.

Assim, a dificuldade criada pela falta de interesse em um determinado gênero, deixava de ser um problema. Antes da introdução da moeda, no momento em que seu proprietário necessitava efetuar a troca por víveres, por exemplo, se ninguém se interessasse por sua mercadoria, um problema sério se apresentava.

A criação de um elemento de interesse comum (a moeda), criou a possibilidade real de uma troca, bastando para tal estar de posse desse elemento intermediário. O comerciante poderia, por exemplo, negociar seu produto em outra região, trocando-o pelo novo elemento introduzido, o que lhe daria a possibilidade de obter víveres quando e onde pretendesse.

A primitiva forma de vida social se baseava num sistema simples de permutas, onde a mercadoria trocada deveria ser pesada a cada vez que se verificasse a intenção de uma negociação comercial. Porém, bastava que aumentassem as espécies de mercadorias trocadas para surgirem as dificuldades de gerir este processo.


Conclusão: A moeda, como hoje a conhecemos, é o resultado de uma longa evolução. No início das tratativas comerciais não existia, praticando-se o escâmbio ou escambo, a simples troca de mercadoria por mercadoria. A moeda representa o rompimento do vínculo com o processo de trocas que a antecedeu.


Quando o homem descobriu o metal, logo passou a utilizá-lo para fabricar seus utensílios e armas, anteriormente feitos de pedra.


Por apresentar inúmeras vantagens como a possibilidade de entesouramento, divisibilidade, raridade, facilidade de transporte e beleza, o metal impôs-se como o principal padrão de valor, sendo trocado sob as mais diversas formas; a princípio, em seu estado natural, em seguida sob a forma de barras e, ainda, na forma de objetos como anéis, braceletes, etc. Os utensílios de metal passaram a ser mercadorias muito apreciadas. Sua produção exigia, além do domínio das técnicas de fundição, o conhecimento dos locais onde poderia ser encontrado. Essa produção, naturalmente, não estava ao alcance de todos.

Os sumérios (habitantes da Mesopotâmia que em tempos remotos haviam inventado a escrita), através de seus sacerdotes, se encarregaram de escolher os metais mais convenientes a servir de intermediário nos processos de troca. Foram escolhidos o ouro (sagrado disco solar) e a prata (consagrada à lua). A relação entre os dois metais foi estabelecida na razão de 1 para 13 ⅓, correspondendo, ao que parece, à relação astronômica entre o ano solar e os meses lunares. Sendo os pioneiros no desenvolvimento da série infinita dos números, os sumérios usaram como base de sua avaliação o sistema duodecimal, possibilitando a subdivisão em 3 e 4, aparentemente menos cômodo que 10 (sistema decimal), que corresponde aos dedos das mãos.

Os metais preciosos, a exemplo do que hoje fazem os bancos, ficavam sob custódia dos templos, onde os sacerdotes determinavam as importantes e delicadas operações que regulavam as trocas de mercadorias e aluguéis, recuperando inclusive a parte reservada às autoridades. Porém, tal conceito de dinheiro tinha um caráter abstrato e aos talentos, às minas e aos ciclos não correspondiam as relativas moedas e portanto era lógica a sensação de “falta de recursos próprios” que experimentavam os negociantes e a população em geral por não possuírem, materialmente, o valor do seu produto.

Os Fenícios efetuavam trocas com os índios da África ocidental, recorrendo a um sistema mais tangível e imediato: Colocavam na areia da praia aquilo que pretendiam oferecer e retiravam-se para os seus navios. Os indígenas observavam o que lhes era oferecido e colocavam junto à cada tipo de mercadoria, a quantidade de ouro em pó que acreditavam ser adequado à troca e se retiravam. Se os Fenícios estivessem de acordo, pegavam o ouro e a troca era concluída, caso contrário a operação era repetida até quando fosse atingido um resultado de comum acordo.

A primeira solução a essa natural aspiração do homem em realizar trocas, encontrou sua aplicação na Babilônia onde se faz referimento a pesos fixos de prata, substituídos depois por pesos de cobre e em seguida de bronze. Mas é na Grécia que encontramos a primeira moeda, mesmo que esta ainda se concretizasse na estranha forma de “espetos de ferro” (denominados obelos), longos mais de um metro e que eram dados inicialmente aos juízes, como forma de compensação por serviços prestados. O mesmo compenso dizia respeito aos simples cidadãos quando estes “espetos” lhes eram concedidos por ocasiões de festas e cerimônias.

Foi com a finalidade de exercer a função de meio de troca comercial que, no século VII a.C. nasce, na Lídia, a moeda como a conhecemos hoje, em sua forma metálica. Entre 629 e 600 a.C. aparecem os primeiros discos metálicos de várias dimensões, sobre os quais o Rei havia ordenado que se colocasse o próprio sigilo. Esses discos eram de electron (uma liga natural de ouro e prata) que em pouco tempo foram substituídos por discos de ouro puro, o metal nobre por excelência que desde a antiga Babilônia era considerado como um bem, dando-lhe valor pleno. Aconteceu no VI século a.C. sob o reinado de Creso (561 – 546 a.C.), famoso por sua imensa riqueza. Esse fenômeno foi, certamente, o resultado de um processo que durou séculos e, seguramente, não se tratou de uma invenção casual. Além disso, a escopo de materializar o conceito abstrato de número, foi adotada como base a libra de prata que em seguida foi chamada com o nome latinizado de mina. O seu múltiplo era o talento, equivalente a 60 libras de prata. A mina foi dividida em 60 ciclos onde cada um correspondia a 180 gramas de trigo.

A valorização cada vez maior dos utensílios levou à sua utilização como moeda e ao aparecimento de réplicas de objetos metálicos, em pequenas dimensões, a circularem como dinheiro, como as moedas faca e chave, encontradas no Oriente, e do talento, moeda de cobre ou bronze, com o formato das vestes feitas de pele de animal, encontradas na Grécia e em Chipre.

Figura: Reis da Macedônia. Filipe II (359-336 a.C.). Magnífico Stater de ouro (8,56 g), com belíssima pátina e excepcional estado de conservação. Casa da Moeda de Kolophon (Sicilia e Magna Grecia). Batida sob o reinado de Filipe III, por volta de 323-319 a.C. Anv: Busto laureado de Apollo, voltado à direita com as características de Alexandre, o Grande. Rev: Biga com condutor, em posição de combate, com lança na mão direita. Tripé, embaixo, à direita. Thompson, “Posthumous Philip II Staters of Asia Minor”.

Figura: Lucânia - Sybaris - Cunhagem incusa (550 - 510 a.C.)


Com o advento da moeda como instrumento intermediador da troca, foram criadas as primeiras bases da moderna sociedade industrial, permitindo ao homem liberar-se do milenar comércio da simples troca e construir a economia como hoje a conhecemos. Porém, o ouro e a prata sempre foram entendidos como a riqueza real, aquela tangível, e que hoje serve (ou pelo menos, deveria servir) de lastro ao dinheiro de papel em circulação.

Figura: Áureo, Otaviano Augusto, Casa da Moeda incerta. Anv: CAESAR, busto laureado voltado à esquerda. Rev: AUGUSTUS, boi (pecus) caminhando, voltado â esquerda. 3 exemplares conhecidos.


Sistemas de Numeração

O sexagesimal é um sistema de numeração de base 60, criado pela antiga civilização Suméria. Uma possível razão para o aparecimento deste sistema de numeração talvez resida no elevado número de divisores de 60 (1, 2, 3, 4, 5, 6, 10, 12, 15, 20, 30 e 60).

Outra hipótese poderá vir de uma união de um sistema de contagem de base 5 com base na contagem dos dedos da mão, aliado ao sistema de contagem de base 12 que usava o método das três falanges. O sistema consistia em contar as falanges dos dedos da mão direita, utilizando o polegar, totalizando doze falanges (três falanges em quatro dedos); com os cinco dedos da mão esquerda, contam-se as dúzias, totalizando cinco dúzias ou seja 60.

Pode ter sido criado em função da medida do tempo; o ano de 360 dias correspondia ao giro de 360 graus. Dois pontos distintos de uma circunferência e que delimitam um arco correspondente à sexta parte da circunferência, determinam uma corda igual ao raio, e a sexta parte do ano correspondia a 60 dias. Desta forma, os números 6 e 60 podem ter origem na medida do tempo e/ou no estudo da geometria, onde 60 é a medida de cada um dos três angulos do triângulo equilátero, construído com os raios da circunferência e a corda que subentende um arco de medida sexagesimal igual a 60. Além disso, uma hora é dividida em 60 minutos e um minuto, em 60 segundos.

Com um círculo dividido em 24 partes, cada uma correspondendo a uma hora, temos um total de 1440 minutos que correspondem a 360 graus. Desta forma, um grau corresponde a 4 minutos.


Enquanto o sistema decimal trabalha com múltiplos e submúltiplos de 10, aquele sexagesimal trabalha com múltiplos e submúltiplos de 60. O sistema sexagesimal ou babilônico (figura abaixo), ao que tudo indica remonta a 3000 a.C.. É considerado finito, ou seja, completo e derivado de base científica como o nosso sistema métrico decimal. Os outros sistemas metrológicos que surgiram posteriormente e que se impuseram sobre os outros como o dos egípcios e aquele dos romanos, faziam uso de grandezas que não derivavam umas das outras, mas sim dos aspectos da vida econômica. Porém se serviam também do sistema decimal que por diversos motivos não teve ampla e duradoura utilização. Todavia, frequentemente vimos os dois sistemas sendo empregados contemporaneamente, deixando claro que também a conveniência e os aspectos da vida econômica influenciavam, como ainda o fazem, a determinação dos padrões de troca.

Em um determinado estágio, certamente muito remoto, do sistema metrológico, a determinação dos pesos se baseou em uma unidade menor, fornecida pela própria natureza, como o grão de trigo na Europa ou a semente de liquirizia na India.

Nem sempre, e não necessariamente, a troca entre vários bens devia acontecer usando materialmente aquele determinado bem que fazia as vezes de moeda e ao mesmo tempo de peso. Um determinado peso (quantidade) de grãos de trigo ou de qualquer outro cereal podia servir de intermediário na troca entre bens diferentes, servindo de mediador a fim de complementar um ou outro.

Em respeito a precedentes etapas da evolução da humanidade, foi relativamente fácil associar a moeda de conto com uma unidade de referência monetária, através das sucessivas trocas de bens que se podiam pesar.


Neste estágio do desenvolvimento da moeda algumas unidades de medida começaram a se impor, a exemplo do talento que, entre vários povos do Médio Oriente e depois na Grécia e suas colônias, foi adotado como medida de peso para, posteriormente, se prestar como moeda de conto. Servia, ao mesmo tempo, como peso e moeda de referência, constituindo-se como um meio prático, possibilitando que se fizesse uma comparação na hora da troca dos vários bens criando, por assim dizer, um valor para cada um deles.

Um talento de grãos de trigo por 2 talentos de grãos de cevada, ou alguns talentos de cevada por uma ovelha. Assim, com o passar do tempo, chegamos aos talentos de bronze por um boi, até que num dado momento o metal passou a fazer parte das trocas entre os diversos bens, entrando definitivamente na vida dos homens. Em seguida o talento passou a fazer referência também aos metais preciosos, ao ouro, à prata e ao electro.

Figura: Sicília, Leontini. 450 ; 440 a.C. ca., tetradracma de prata. Cabeça de Apolo a direita, com ramo de louros. Cabeça de leão circundada por quatro grãos.


A esta mudança nos processos de troca correspondeu também uma profunda transformação na vida social das civilizações. Após uma fase inicial praticamente agrícola sucedeu-se uma vida comercial sempre mais intensa, fazendo com que as pessoas se transferissem dos campos para os aglomerados populacionais que se constituiam nas bases das futuras cidades. Se a civilização dos tempos de Homero evidenciava a importância do homem de acordo com sua propriedade agrícola e através do número de bois que possuía, num futuro próximo o rebanho iria ceder seu posto de supremacia ao meio que viria a permitir a obtenção de tudo aquilo que se desejasse, ou seja, a moeda que permitiu aos comerciantes a troca de bens entre regiões distantes entre si onde, de uma forma cômoda, podiam transportar o instrumento que passou a substituir os anteriores que eram utilizados nos processos de simples troca.

Figura: Reis selêucidas da Síria. Alexandre I Balas, 152 a 145 a.C. Tetradracma. Casa da Moeda de Ake-Ptolemais. Comemorativa de casamento, cunhada em 150 a.C. Bustos conjugados de Cleópatra Thea, velado, diademado, vestindo Kalathos, com cornucópia sobre os ombros, e cabeça de Alexandre, diademada, a esquerda./Zeus Nikephoros sentado a esquerda; Nike de pé, segurando raio.

Figura: REIS DA MACEDÔNIA. Alexandre III “O Grande”. 336 a 323 a.C. Tetradracma, Casa da Moeda de Amphipolis. Anv.: Cabeça imberbe de Hércules, voltada à direita. Rev.: Zeus sentado ao trono, com águia na mão direita e cetro na esquerda.

Figura: Ásia Menor - Lydia - Creso / 561 a 546 a.C.

Figura: SICÍLIA, Entella. Cunhagem sículo-púnica. 345-320 a.C. Tetradracma. Cabeça de Aretusa voltada à direita, usando brinco de triplo pendente e colar. Quatro golfinhos ao redor. Cavalo à direita, em frente à palma.


Na Grécia, o nome da moeda base não variou muito daquele que indicava o primitivo espeto. Obelos se transformou em óbulos, sendo o “óbulo de prata” a unidade monetária grega que, agrupada em um número de 6, dá origem ao dracma. Os pesos do dracmas variam de acordo com a época, situando-se entre os valores 4,3 e 4,0 gramas no I século a.C.. O dracma corresponde a centésima parte da “mina” dos sumérios.

Figura: Tetradracma - Tarentum - Calábria 315 a.C.

Figura: Cunhagem grega, Ática, Atenas, tetradracma cerca 454-404 d.C.

Figura: Tetradracma - Período arcaico, V século a.C.

Figura: Cunhagem grega, período helenístico.

Figura: Decadracma assinado Euainetos, medalhista grego. Cabeça de Aretusa voltada à esquerda - Sicília, Siracusa. Dionisio I. 405-367 a.C.


No Brasil

No sistema monetário brasileiro, a moeda de 960 réis enquadra-se perfeitamente nos sistemas decimal e sexagesimal (múltiplo de 60) de numeração, com predominância para este último. Apesar de múltiplos inteiros, os múltiplos e submúltiplos da pataca não obedece a um sistema rígido e homogêneo. Já a série dos cruzados de D. Pedro II (1200, 800, 400, 200 e 100 réis) são um claro exemplo de predominância do sistema decimal (múltiplo de 10).

Outros valores, 5(V), 10(X), 20, 40; 80; 160; 320 (uma pataca) e 640 réis, formam uma progressão geométrica de razão igual a 2, onde o primeiro termo é 5, a menor emissão do padrão réis cunhada em cobre.

Particular é o caso dos 75 réis da série de moedas de prata (75; 150; 300 e 600 réis) cunhadas na Colônia, durante o reinado de D. José I. O conjunto ficou conhecido como “série J” por terem incisas em seu anverso esta letra fazendo clara referência a D. José. Apesar dos valores 150, 300 e 600 serem múltiplos de 10, o valor 75, mesmo sendo um número do sistema de numeração decimal, foge ao padrão.


Nota: Óbolo (literalmente “haste de ferro”) foi uma unidade de massa na Grécia Antiga correspondente a, aproximadamente, 1/2 grama. Como essa unidade era usada para medir a quantidade de metal precioso numa moeda, óbolo também se tornou uma moeda de menor valor, correspondendo à sexta parte de um dracma, de peso 0,5 gramas de prata. Entre os hebreus o óbolo era chamado de gera, também grafado gerah. Equivalia a vigésima parte do shekel (siclo), com peso aproximado de 0,6 gramas. Entre os romanos, um obolus correspondia a 1/48 da onça romana (0,57 gramas), mas nunca foi usada como moeda durante o sistema monetário dos primeiros anos da república. A título de curiosidade, nos tempos da Grécia antiga (600 a.C.), o valor de um escravo era fixado em 100 cabeças de gado, enquanto o preço de uma mulher podia variar entre 4 e 20 bois, segundo suas características e dotes pessoais. O correspondente a uma boa armadura girava em torno a 20 bois. Hoje é fácil imaginar como, naquela época, transportar uma grande quantidade de moedas era notavelmente incômodo e perigoso. Desta forma, com o tempo, difundiu-se a “carta de crédito”, permitindo, por exemplo, que um pai mandasse seu filho estudar em Atenas, fazendo-o acompanhar de um documento escrito onde se empenhava em reconhecer os débitos que o filho contrairia, limitados a uma determinada soma pré-estabelecida. Fica evidente que a idéia abstrata de dinheiro dos Sumérios passou através dos Babilônios e da Lídia, até a realização efetiva da moeda.

Figura: D. José I - Casa da Moeda da Bahia, 75 réis 1754, letra monetária B.


Também as moedas cunhadas em cobre nos valores de 37½ e 75 réis, durante o reinado de D. João VI, fogem aos estabelecidos pela metrologia; mas como foi dito anteriormente, alguns desses padrões monetários não faziam uso de exatos múltiplos ou submúltiplos dos sistemas conhecidos, ou de grandezas que derivavam umas das outras, mas sim baseados nos aspectos da vida econômica.

Figura: O raríssimo 960 réis 1809R. Acervo do Museu de Valores do Banco Central do Brasil (única). Imagens gentilmente cedidas pelo MVBC.


Nota: No Brasil, em 1750, D. José proibiu a circulação de moedas de ouro nas regiões de mineração, considerando que as transações comerciais naquelas comarcas poderiam ser perfeitamente realizadas com barras de ouro marcadas e ouro em pó. Para atender as necessidades do comércio miúdo na região, ordenou que as Casas da Moeda do Rio de Janeiro e da Bahia cunhassem moedas provinciais de prata e cobre. Em 1752, atendendo a sugestão do governador da capitania de Minas Gerais, determinou que fossem cunhadas moedas de prata com os valores de 600, 300, 150 e 75 réis. Assim, de 1752 a 1774, estas Casas cunharam moedas para Minas Gerais (Provisão de 13/03/1752) para facilitar a troca do ouro não “quintado”, tendo em vista que os preços na região eram estabelecidos em termos de oitavas e de seus submúltiplos, valendo a oitava de ouro (3,586 gr) não “quintado”, 1.200 réis. São as moedas de prata da série “J” (600, 300, 150 e 75) correspondentes a 16; 8; 4 e 2 vinténs de ouro, respectivamente.

O vintém-de-ouro equivalia a 37½ réis. Para evitar confusão com as moedas provinciais de 640, 320, 160 e 80 réis, em função da semelhança e da proximidade dos valores, nas novas moedas o escudo com as marcas de Portugal foi substituído por um “J” (José) encimado por uma coroa real.

Através da Lei de 10/04/1809, D. João VI equiparou o valor dessas moedas às de outras de igual peso, passando a valer 640; 320; 160 e 80 réis. A partir de 1818 a Casa da Moeda de Minas Gerais cunhou, em cobre, os valores 37½ e 75 réis para circulação local (Aviso de 16/06/1818).

Mesmo assim, à exceção do 37½, os outros valores guardam entre si uma forte ligação com os sistemas sexagesimal e decimal, por estarem ligados aos divisores primos de 10 e de 60.


PROCESSOS DE CUNHAGEM

Foi na Lídia, atual Turquia, durante o reinado de Creso, segundo a teoria mais aceita atualmente, que apareceram as primeiras moedas. Eram cunhadas com um malho (figura ao lado), onde o cunho de anverso era gravado manualmente em um “tarugo” (pilha ou cunho superior). Um pedaço de metal, ouro ou electro aquecido era colocado sobre outro tarugo (troquel ou cunho inferior), que estava firmemente apoiado em um cepo. O moedeiro então desferia um golpe, uma pancada na pilha transferindo o cunho para o metal. Estava pronta uma moeda. Um processo artesanal e demorado, mas que perdurou por vários séculos.

Outro processo muito usado para a produção de moedas foi a fundição. O metal derretido era escorrido para dentro de moldes de areia ou barro que, depois de esfriados, eram abertos ou quebrados dando origem às moedas. Esse era o processo usado na fabricação dos pesados Aes Rude romanos.


Técnicas para a realização da moeda

Essencialmente, para realizar uma moeda, desde a antiguidade até os nossos dias, a grosso modo podemos dizer que foram utilizados dois processos, a fusão e a batida por golpe ou pressão.


A fusão

Em numismática se entende por moeda fundida, as emissões em bronze do IV e III séculos a.C., realizadas pelas diversas populações da Itália central, em substituição ao antigo Aes Rude, e que traziam como uma das características a associação de peso ao seu valor intrínseco, indicado através de um sinal distintivo (Aes Signatum). O standard de peso inicial era a libra paleoromana (osco-latina) de peso 272,87 gramas. Os valores vão do Asse à onça (uncia, em latim). O peso dos Asses e dos seus submúltiplos, experimentaram uma gradual redução, mantendo todavia o seu valor mercantil.


Nas primeiras emissões (primeira série), um Asse pesava 272,87 gramas, tanto quanto uma libra latina, sendo o peso dos seus submúltiplos diretamente proporcional a esse valor em gramas; um semisse (semiasse) que valia 1/2 Asse, pesava 136 gramas, e assim por diante até a onça de valor 1/12 do Asse (22,74 gramas).


Nessa série de Asses de libra, todas as moedas eram fabricadas por fusão. Durante o IV século a.C., nos conta Lívio que, por volta de 356 a.C., os romanos passaram a adotar a libra de 327,45 gramas, partindo do peso do Talento de 32,745 gramas, época em que o Asse sofre a sua primeira redução em função do momento da economia romana e como consequência da quase total destruição imposta pelos gauleses por volta de 390 a.C.


Nessa primeira redução surgem a semi-onça e o quarto de onça de pesos, respectivamente, 6,82 gramas e 3,41 gramas. As quatro primeiras (asse, semisse, triente e quadrante) continuaram sendo fabricadas pelo método da fusão, enquanto as quatro últimas (sestante, onça, semi-onça e quarto de onça) eram já cunhadas.A técnica da fusão consiste em aquecer até fundir o metal ou a liga que se quer cunhar, e posteriormente derramá-lo em formas ocas que contém o desenho inciso. Quando o metal esfria, abre-se a forma e se destacam as moedas; uma passagem a mais consiste na lima, que permite corrigir imperfeições. Um outro método utilizado era o "agrupado" (figura abaixo, à direita), ao qual os moldes eram fixados como grãos em um cacho de uvas. Nesse caso, apenas uma espiga de fusão é observada na moeda.

Tabela acima: Primeira metade do V século, aproximadamente 423 a.C., Libra paleoromana de 272,87 gramas.

Tabela acima: Primeira redução do Asse, metade do IV século, aproximadamente 356 a.C., Libra romana de 327,45 gramas.


Os romanos entenderam que o Asse de peso teórico 163,72 gramas não era suficiente para afrontar as transações comerciais de grande volume. A mentalidade sobre o valor intrínseco da moeda, como forma de medir o valor das mercadorias, tinha dificuldade em adaptar o sistema monetário a uma redução de quantidade de metal, consequência disso, adotaram um numerário que fosse mais consistente, tendo à disposição apenas o bronze, na falta do ouro ou a prata. Assim recorreram a emissão de múltiplos do Asse, criando o Decusse, o Tresse e o Dupondio, valendo respectivamente, 10, 3, e 2 Asses. Sucessivas reduções no sistema monetário dos romanos (sete, no total), terminaram por levar o Asse ao peso de 13,64 gramas, decretado segundo a Lei Plautia-Papiria de 89 a.C.


A seguir, as imagens de algumas das primeiras moedas (fundidas e cunhadas) pelos romanos, nos primórdios de sua civilização. De cima para baixo, da esquerda para a direita AES SIGNATUM, AES GRAVE JÂNIO BIFRONTE, SEMISSE (semiasse), TRIENTE, QUADRANTE, SESTANTE, ONÇA, ASSE LIBRALE (primeira redução), LITRA (230 a.C., 3,34 gramas), DIDRACMA (quadriga, 225 a.C., 6,27 gramas).


Tanto o Aes Signatum quanto o Aes Grave eram obtidos derramando cobre fundido em formas pré-moldadas. Mesmo diante de alguns inconvenientes, a técnica da fusão apresentava diversas vantagens: era rápida, não requeria mão de obra altamente especializada e permitia saltar a fase preparatória dos cunhos, muito longa.

Por outro lado as moedas fundidas apresentavam desvantagens: tinham pesos variáveis, apresentavam relevos atenuados e poucos claros e, o problema mais sério, eram facilmente falsificáveis. Além disso, resultava impossível, uma vez que a moeda esfriava, corrigir eventuais desproporções no peso.

A escolha desta singular técnica, sem dúvida um tanto quanto primitiva, derivava do fato que as moedas de grande dimensões (uma ou mais libras) não se podiam obter com a técnica da cunhagem. Além disso, acreditamos que o espírito pragmático dos romanos preferisse uma produção simples, sem muitas “firulas”, por assim dizer “viril” devido a uma cultura muito particular daquele período.

O Aes Signatum era fundido em moldes singulares, podendo ter formas diversas. O modelo mais simples consistia em duas válvulas unidas, nas quais vinha derramado o metal fundido em formas sobrepostas verticalmente, uma sobre a outra, de modo que o metal fundido enchesse todos os moldes passando por apósitos canais entre as formas.

O bloco era mantido em vertical, enquanto o cobre fundido, versado do alto, atravessava todas as formas enchendo-as a partir daquela mais baixa. Quando o metal esfriava, abria-se a forma e as moedas eram destacadas, umas das outras, com o auxílio de tesourões. A marca tangível dessa técnica é a presença de dois ligamentos de fusão a 180° na borda da moeda: um para o ingresso do metal fundido, o outro para a sua saída até encher. Frequentemente esses cortes eram rudes e deturpavam o bordo da moeda.


Um outro método previa uma forma a cacho, com as moedas dispostas como uvas em um ramo. Em tal caso, observa-se somente um ligamento de fusão na moeda.

As formas, reutilizadas diversas vezes, eram feitas em pedra tenra (arenária) ou em terracota. A forma em terracota, muito mais fácil de modelar, podia queimar devido às sucessivas fusões, produzir erosão nas superfícies e portanto gerar moedas com peso alterado. Por outro lado, formas em terracota, mesmo quando vinham usadas na produção de singulares moedas como estampa, produziam exemplares abaixo do peso legal, devido ao fenômeno de redução de volume do metal na passagem do estado fluido ao sólido. Acontecia algumas vezes que as duas válvulas das formas não se encaixassem perfeitamente, gerando moedas com os dois lados defasados, não perfeitamente sobrepostos.

Dada a técnica de produção, não raramente se vêem na superficie das moedas furos devidos às bolhas “armadilhadas” no cobre fundido. Os traços das moedas fundidas são grosseiros, e apesar de privadas de detalhes, execre grande fascínio nos numismatas. Os relevos, especialmente dos nominais de maior peso, eram muito altos. Completivamente eram moedas imponentes, feitas para impressionar, um lógico corolário à austera cultura da Roma republicana.

Figuras acima: 1. Aes Signatum, República Romana depois de 450 a.C.; bronze; 185 × 90 mm; 1.616,62 gramas. | 2. Asse (Aes signatum, librale ou grave; Jano bifronte com sinal de valor (talho sobre o pescoço); Proa de nave à direita com sinal I, de valor, tudo sobre disco em relevo. | 3. Asse librale (primeira redução). | 4. Semisse (semiasse). | 5. Triente. | 6. Sextante (sestante). | 7. Quadrante. | 8. Litra. | 9. Didracma (quadriga). | 10. Onça.


Nota: A palavra latina AES (aeris no genitivo) significa bronze e dela derivam outras palavras como erário. O emprego, seja do Aes rude quanto do Aes signatum, era valorado em base ao peso, o que era incômodo, já que a cada transação comercial as moedas deviam ser pesadas. Por iniciativa dos próprios mercadores, passou-se a usar getões de bronze, de forma circular ou retangular, sobre as quais vinha inciso, no campo, um valor (aes signatum), símbolos e marcas que identificavam a autoridade do emissor, garantindo a autenticidade. O Aes signatum é considerado o primeiro estágio na evolução da moeda como a conhecemos hoje, não sendo considerado uma moeda, por definição, somente porque o seu valor era determinado pelo peso que variava notavelmente. A primeira moeda estandardizada pelo Estado foi o Aes grave, introduzida com a intensificação do comércio marítimo em torno a 335 a.C..


Moedagem de estilo grego

Os gregos foram os primeiros a cunhar moeda, aproximadamente 700 anos antes de Cristo. Atingiram uma perfeição tamanha na sua gravura que os artistas modernos ainda se empenham em igualar. Esta arte passou depois por diversas vicissitudes entre os povos antigos, da idade média e tempos modernos. As primeiras moedas batidas em Roma foram alguns didracmas de prata e algumas moedas fracionárias em prata ou bronze. Estas moedas são comumente indicadas com o nome de “romano-campânia”, por terem sido, muito provavelmente, cunhadas no mesmo estilo das moedas gregas, na Campânia do século III a.C., a escopo de facilitar o comércio com as colônias gregas do sul da Itália.

1. Anônimo, Didracma ou AR Quadrigatus. 215-213 a.C., época da 2 ª Guerra Púnica. Cabeça janiforme. Laureado, cabeça janiforme no anverso / No reverso, Júpiter, segurando cetro e lançando raio, cavalgando em uma quadriga conduzida pela vitória, ROMA no exergo. | 2. Calabria, Tarentum. Cerca 272-240 a.C. | 3. Trácia, dióbolo, Apollonia Pontika, V século a.C. | 4. Reis da Macedônia, Antigonos I Monophthalmos. | 5. AV Estater (18mm, 8.61 g). Casa da Moeda de Magnésia, cunhada sob Menander ou Kleitos, entre 323-319 a.C. Cabeça de Apolo; Filipe III Arrideu, rei da Macedônia de 323 a 317 a.C. até sua morte. Era filho do rei Filipe II da Macedónia com uma cortesã de Lárissa, na Tessália, chamada Filina de Lárissa, e meio-irmão de Alexandre, o Grande. Chamado de Arrideu ao nascimento, assumiu o nome de Filipe ao subir ao trono. Casou-se com Eurídice, filha de Amintas IV e de Cinane, filha de Filipe II. | 6. Reis da Macedônia, Antigonos I Monophthalmos.




Mesmo sendo o estilo claramente romano, os tipos eram característicos da civilização itálica: Marte, Minerva, a loba com os gêmeos Rômulo e Remo, Jano. A moeda mais famosa desse período é conhecida como quadriga, com a cabeça de janiforme no anverso e Júpiter e a Vitória em uma quadriga. Os primeiros didracmas pesavam em torno a 7,0 gramas (6,8 a 7,3), com as últimas cunhagens pesando em torno a 6,5 gramas.


A batida

Permitia a obtenção de moedas de pequenas dimensões, em grande número, e com um elevado detalhe dos relevos, em troca de um escasso espessor, dado que os detalhes devem ser retirados da própria espessura do disco virgem e a impressão do cunho não consente grandes variações de cota e aumento dos relevos.

A cunhagem da moeda necessita de uma série de operações, da realização do cunho à preparação dos discos; do corte destes à cunhagem e aos detalhes e ajustes finais, que requerem um ciclo industrial refinado e evoluído.

Não se pode prescindir do conhecimento e maestria da produção e uso do aço, por exemplo, dado que somente com um cunho mais duro do que o material do disco a ser cunhado, se obtém a impressão da figura a relevo na moeda.

Para cunhar moedas é portanto necessária a presença contemporânea de diversos trabalhadores e artesãos (mineradores, fusionistas e metalúrgicos, incisores e polidores); num elevado nível de civilidade e tecnologia.

  1. A realização do cunho - Na ponta de um cilindro de ferro, do diâmetro da moeda que se quer realizar, vem confeccionada, com um buril nas mãos de um artesão altamente especializado, a figura que se quer cunhar na moeda. Tal figura vem incisa ao contrário, em negativo (é como se pegássemos uma moeda e olhássemos sua imagem refletida num espelho). Além disso, desejando que o relevo seja invertido, é necessário realizar o cunho em relevo. Por outro lado, quando se deseja que os detalhes da moeda estejam em alto relevo, se deve “cavar” no cunho. Obviamente, sendo uma moeda composta por duas faces, se devem realizar dois cunhos, que são usados contemporaneamente. Caso fossem usados em batidas separadas, a segunda apagaria ou arruinaria a primeira. Uma vez realizados os cunhos, vinham temperados para que fossem mais duros que o metal a ser cunhado.

  2. Preparação dos discos para as moedas - Os metais eram essencialmente a prata, algumas vezes o ouro, o cobre, ou mesmo algumas ligas metálicas, entre as quais o electro (cobre + prata), e outras ligas de baixo teor de prata ou ouro. O metal, ou o material obtido com a liga metálica que se queria utilizar, vinha antes pesado e depois derretido, à temperaturas que superavam os 1000° C. Para realizar tal operação, era necessária uma Casa de Fundição muito eficiente. Depois de fundido, o metal era versado em estampilhas, a fim de se obter chapas lisas de metal. A este ponto, com sucessivos reaquecimentos e potentes golpes de martelo, se reduziam as chapas à lâminas do espessor desejado. Essas lâminas eram posteriormente cortadas em discos da dimensão da moeda que se pretendia realizar. A operação era feita com tesourões, e o acabamento era realizado com o auxílio de uma lima para se obter uma forma mais ou menos regular. Obviamente todas as limagens e rebarbas eram recuperadas para serem posteriormente fundidas e reutilizadas.

  3. A Cunhagem da moeda - Colocando um disco entre as duas superficies dos cunhos (a base apoiada em uma bigorna, e a “cabeça” em cima do disco) com um preciso golpe de martelo sobre os mesmos, a moeda recebia a sua estampa em ambos os lados. Se fosse necessário, ao final dessa operação, com a moeda já estampada, o disco poderia ser limado um pouco mais para eliminar imperfeições. Existe também a técnica da impressão, com o disco colocado em baixo de uma prensa a torque, ao qual é aplicado o cunho. Assim, por pressão, se realiza a moeda. É um pouco mais lenta, porém mais eficaz, e vem usada em tardo período

  4. Limar e pesar - A moeda poderia ser retocada com um banho de vinagre e sal, a fim de torná-la mais lúcida e vistosa, além de remover a eventual oxidaçâo. Era posteriormente pesada e controlada por um responsável da Casa da Moeda, que certificava a pureza e a contagem da produção. Esses processos foram melhorados com o tempo, graças à invenção de diversos tipos de máquinas e ferramentas.

A CUNHAGEM POR BALANCIM

Um dos tipos mais notáveis foi o criado no século XVI, com a invenção do balancim (figura ao lado), também chamado de prensa de parafuso ou rosca. Eram dos mais variados tamanhos, para cunhar das menores moedas até os grandes patacões. Aos poucos esse “engenho” foi sendo adotado por todas as Casas da Moeda européias e do Novo Mundo. Com exceção das moedas batidas pelos holandeses no Recife, as primeiras moedas cunhadas em solo brasileiro, a partir da abertura da Casa da Moeda da Bahia, em Salvador, em 1694, foram feitas com este tipo de cunhagem conhecida como mecânica.

Em dezembro de 1855, houve um grande avanço tecnológico com a introdução de uma máquina de cunhar movida a vapor. Em 11 de fevereiro de 1860, foi inaugurada na Casa da Moeda, uma prensa a vapor totalmente construída no Brasil, posteriormente adaptada para trabalhar com energia elétrica.

Figura: A evolução nos processos de cunhagem. À esquerda, esquema de cunhagem manual, com gravação nas duas faces do disco. À direita, prensa monetária a vapor. Casa da Moeda de Paris; da série de figurinhas Guérin-Boutron (Les différentes Industries), Paris, 1910.


FIM DA 1ª PARTE - Em breve daremos continuidade ao artigo, com os procedimentos de cunhagem da era contemporânea, com textos, muitas imagens e vídeos.

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