Vida de Legionário
- Bentes

- Apr 1
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Preços, salário e inflação.
Para o leitor médio, e não particularmente apaixonado por numismática ou história, este será um capítulo de interesse geral. Saber quanto ganhava um legionário romano e quanto custava um quilo de pão, por exemplo, nos possibilita uma idéia mais clara e precisa do valor do dinheiro, comparando seu poder de compra naquela época, com o nosso, nos dias atuais.

No que diz respeito à população em geral, quase nada se sabe a respeito. Poucos são os documentos que chegaram aos nossos dias, capazes de dar uma idéia precisa da qualidade de vida dessas pessoas. Sabe-se, porém, que viviam em estado de penúria, quase miséria, e que os recursos eram poucos; os bons artigos e gêneros alimentícios de boa qualidade, em geral, não estavam ao alcance daquilo que conseguiam ganhar com seu trabalho.
A melhor opção para aqueles que não descendiam de famílias tradicionais, era ingressar nas legiões de soldados, já que a paga ali não era das piores. Relativamente a estes últimos, temos dados sólidos do que diz respeito a salários, por exemplo, o que nos permite comparar seu poder de compra com o custo de vida daquela época. Decretos, anotações de históricos e economistas, nos dão um quase total conhecimento das condições de vida dessa gente.
Apesar de modesto, o pagamento de um soldado lhe permitia viver com dignidade no contexto de uma família de até 4 pessoas. Um soldado romano, a grosso modo, pode ser colocado, social e economicamente, no mesmo patamar de um empregado de uma boa empresa, dos tempos modernos.
A seguir, a tabela mostra os pagamentos dos salários do exército romano, durante o período que vai do II sec a.C. ao IV secolo d.C. Mais adiante, nesse mesmo capítulo, o leitor poderá ter uma idéia dos valores dessas moedas romanas, ao serem comparadas com o euro atual e seu poder de compra.

Nota: É interessante recordar a relação entre os nominais romanos:
1 Denário = 4 Sestércios = 16 Asses
1 Áureo = 25 Denários
1 Antoniniano = 2 Denários
Custo anual de uma legião para o erário durante o II século a.C.: 600.000 Denários
Custo anual de uma legião para o erário aos tempos de Júlio César: 3.000.000 Denários
Inflação
A inflação, por todo tempo durante o qual o denário manteve uma boa liga metálica, permaneceu baixíssima, menos de 1 % ao ano. Se percebe claramente pelo lentissimo aumento no salário dos legionários, congruente a uma substancial estabilidade dos preços. Tal estabilidade dada em longos períodos significa um grande benefício para o poder de aquisição dos cidadãos das classes mais baixas.
Este período de estabilidade monetária com inflação reduzida durou, com fases alternadas relativas a limitados episódios agudos, por quatro séculos, e acompanhou o esplendor de Roma, da vitória na segunda Guerra Púnica aos tempos de Sétimo Severo.
O Denário começa a se corromper com a reforma de Caracala; aumentam os preços e aumentam os salários dos soldados. Caracala cunhou moedas desvalorizadas, com baixo teor de prata, provocando o início de uma fase inflacionária onde o aumento dos preços, como consequência, gerava a necessidade de mais dinheiro, que por sua vez fazia aumentar os preços mais ainda. O sistema caiu na metade do século III, quando desapareceu a moeda de prata.
Não se dará nenhuma retomada; as inúteis reformas dos imperadores, sucessores de Caracala; Aureliano, Diocleciano e Constantino, não resultarão em nada. Irão servir somente a aumentar a confusão, enchendo os bolsos dos romanos com inúteis moedas fracas, de cobre, cobertas com uma finíssima camada de prata.
O Denário não resurgirá mais, e nem os tempos áureos de Roma, o que serve como exemplo a demonstrar que a grandeza de um Estado necessita de instrumentos financiários adequados.
Com o século IV enfim se chega ao monometalismo áureo, uma condição que deprime os comércios a varejo e constringe os pobres ao escambo. De fato o Sólido de Ouro era uma moeda somente para ricos e seus comércios de alto nível. O período medieval estava às portas.
O custo de vida
Para realizar esta pesquisa confrontaremos os preços dos gêneros de primária necessidade em dois períodos. Na tabela a seguir, as necessidades alimentares de uma família de quatro pessoas por um ano no século II a.C.

Salário legionário - 120 Denários.
1 Asse = 1 pão do tamanho do atual pão francês.
Esta extrapolação permite compreender que, retiradas as despesas de alimentação, não restava muito a um legionário, levando em consideração que a família precisava pagar aluguel, comprar roupas, divertir-se, etc.
Todavia, os soldados eram pagos também com bens de consumo; recebiam frequentemente extras e ao fim do serviço militar (se conseguissem alcançá-lo), recebiam uma cifra consistente que permitia a alguns criar um comércio próprio ou de começar uma pequena atividade agrícola.
Para se ter uma idéia do que hoje chamamos de aumento do custo de vida, levemos em consideração os preços dos mesmos bens em outra data, quase dois séculos mais tarde.

Necessidades alimentares de uma família de quatro pessoas por um ano no final do século I d.C.


O salário de um legionário, durante esse período, era de 300 Denários. Convém recordar que um Áureo era o equivalente a 25 Denários e que na época pesava cerca de 6 gramas. Isso significa que um legionário recebia em um ano o equivalente a 72 gramas de ouro.
É curioso confrontar este pagamento com aquele de um soldado de Ciro da Pérsia, no século VI a.C., que recebia um Dáride de ouro ao mês. O Dáride pesava cerca de 8 gramas, portanto um soldado persa recebia em um ano 96 gramas de ouro. Em outras palavras, 6 séculos antes, os soldados persas eram mais bem pagos que os legionários romanos.
O que podemos observar no confronto com os preços de dois séculos antes é um aumento de preço muito modesto equivalente a uma inflação inferior ao 1% anual. Os pagamentos aumentam em modo correspondente, de forma que a situação de um dependente típico melhora pouquíssimo em dois séculos.
Prover o próprio sustento, portanto, era um grande problema para um legionário romano. O salário era calculado de modo que bastasse a suprir as necessidades básicas de um indivíduo.
Todavia, no período imperial, os soldados podiam contar com frequentes donativos dados às tropas em ocasião das mudanças de poder. Além disso, nesse período, o trabalho do legionário era relativamente pouco perigoso, dadas as condições de estabilidade nas fronteiras no século I d.C.
Por outro lado, quem enriquecia, ganhava cifras estratosféricas. A diferença entre o rico e o pobre era enorme. Os patrícios, e também os libertos ricos, como o Trimalcião citado no Satyricon de Petrônio, viviam ostentando luxos absurdos e injustificáveis.
A seguir, uma passagem (um trecho) do Satyricon (XXXVIII), para se ter uma idéia da fantasia nos gastos do rico romano:
“O próprio Trimalcião tem posses que se estendem por quanto é longo o vôo dos milhafres: e dinheiro até não acabar. Tem mais prataria na caserna de seu porteiro de quanta possa ter no patrimônio de alguém. E os serviçais, minha nossa! Por Hércules, creio que nem um décimo deles conheça o próprio dono.
Em poucas palavras, todos estes idiotas exibidos, ao seu confronto, podem ir se esconder.
E não pense que ele vá comprar algo: cresce de tudo em sua casa: lã, cedros, pimenta.
Se lhe pedir leite de galinha, ele o encontrará.
Para te fazer entender em poucas palavras, tendo em vista que a lã de sua produção não era otimal, comprou em Taranto ovelhas de primeira classe e os fez constituir o rebanho. Uma outra vez, para ter o mel da Ática em sua casa, ordenou que lhe trouxessem as abelhas da Ática, de modo que as nossas abelhas melhorassem estando em companhia das gregas.
Chegou até a escrever nestes dias para a Índia, para que lhe enviassem as sementes de cogumelos. Não tem uma só mula que não seja filha de um onagro.
Olhe quantas almofadas: e bem, são todos enchertados com púrpura ou escarlate.
Isto sim que é sorte!
Os outros seus companheiros de escravidão de um tempo, cuidado com eles.
Eles também ganharam dinheiro. Vê aquele sentado entre os libertos? Como esteve bem!
Não o culpo. Ganhou seu belo milhãozinho de sestércios, mas faliu.
Acho que nem seus cabelos ficaram de fora da hipoteca”.
Para um jantar, Lúculo podia gastar 1.000.000 de sestércios (cerca de 250.000 Denários), dinheiro inimaginável para um simples legionário.
Diversificação geográfica do preço de um moio de farinha no primeiro século d.C. O moio (do latim módius, módio) era uma medida antiga romana, equivalente a 82/3 litros, aproximadamente 6,5 kg.

Da tabela anterior se percebe que a vida romana era muito cara, tendo preços mais que duas vezes maior respeito a outras partes da Itália. Em relação às províncias africanas era 4 vezes maior.
Efeito “Capital” e consequência das riquezas da riqueza que confluía em Roma de todos os cantos do Império. Ainda hoje se constata que uma grande cidade, particularmente uma capital, é mais cara que as províncias.
Por isso muitos legionários em fim de serviço se retiravam não na Itália, mas nas províncias africanas, onde usufruíam de um clima melhor e um custo de vida que fazia deles, se não ricos, pelo menos bem de vida e lhes concedia uma velhice serena e generosa.
Fabricando pão na Antiga Roma
Fontes complementares de renda
Além do soldo, o legionário podia receber dinheiro de outras fontes.
Os lucros do saque, por exemplo, podiam ser substanciais. Sabemos que após o cerco e saque de Jerusalém em 70 d.C., a quantidade de ouro em circulação era tal que o valor desse mineral chegou a ser reduzido pela metade, no Oriente.
Após a morte de um imperador, era costume deixar em seu testamento uma parte de seus bens para ser distribuída entre seus soldados. Augusto, por exemplo, deixou para cada legionário e pretoriano uma quantia equivalente a um ano de salário. Em 136 d. C., após escolher Élio Vero como seu sucessor, Adriano pagou 75 milhões de denários aos seus soldados. O curioso é que o escolhido morreu pouco depois, de tuberculose, e o Imperador considerou o dinheiro desperdiçado.
Outras ocasiões em que o legionário recebia dinheiro extra eram na ascensão ao trono de um imperador. Normalmente, neste caso, era paga uma quantia de 300 denários por legionário, embora metade dessa quantia fosse depositada no tesouro da legião. Também por ocasião do casamento de um membro da família imperial ou de um aniversário, os legionários recebiam bônus. Após sua ascensão ao trono, os coimperadores Marco Aurélio e Lúcio Vero prometeram 5.000 sestércios a cada um dos soldados da Guarda Pretoriana, e no décimo aniversário da ascensão de Sétimo Severo em 202, 250 denários foram distribuídos a cada Pretoriano
Estima-se que um legionário podia viver com dois terços do seu salário e poupar o outro terço, embora houvesse quem não tivesse o suficiente. Possuímos em nossso arquivos, algumas cartas de legionários pedindo dinheiro, roupas, comida, etc. para seus parentes. Em uma delas, um legionário pergunta à sua mãe:
“Querida mãe, espero que esteja bem. Quando receber esta carta, ficarei profundamente grato se me enviar algum dinheiro; não tenho mais nada, porque gastei tudo para comprar uma carroça e um burro. Por favor, envie-me um casaco, um pouco de óleo e, acima de tudo, minha mesada do mês…….Outro dia, a mãe de Valério enviou-lhe algumas calças, uma medida de óleo, uma caixa com comida e algum dinheiro…”
Privilégios fiscais
Em troca de serem submetidos a uma severa disciplina militar e outras limitações, como não poder se casar legalmente, pelo menos até a época de Sétimo Severo (193–211), os legionários romanos desfrutavam de inúmeras vantagens legais e fiscais. Sabemos, por exemplo, que Nero, no ano 58 d. C., ordenou que todos os soldados mantivessem seus privilégios fiscais, exceto pela venda de imóveis que possuíam.
Os legionários podiam fazer testamento sem o consentimento dos pais, que também não tinham o direito de reter seus rendimentos. Em caso de crimes graves, eles não poderiam ser torturados ou condenados a trabalhar nas minas, nem executados como um criminoso comum. O fato de um soldado poder ser julgado apenas por seus oficiais, mesmo sendo civil, gerava inúmeros abusos e problemas, pois os centuriões encarregados de julgá-los eram muito lenientes. Há inúmeros depoimentos de reclamações da população civil sobre roubos e agressões por parte de soldados de guarnições próximas. Abineu, comandante de uma unidade de cavalaria no Egito por volta do ano 300 d. C., recebeu várias cartas de reclamações de habitantes sobre o comportamento de seus homens, como a que se pode ler a seguir:
“De Demétrio a Abineu,
Gostaria de informar que enquanto eu estava colhendo trigo na cidade de Ibion, me deparei com um soldado chamado Atenodoro, que está sob seu comando. Bem, esse soldado bateu em mim e em outras pessoas. Ele continua vindo bêbado aos campos de milho e frequentemente aterroriza a cidade inteira. Ouso escrever-lhe, porque sei que você retornará ao acampamento e verá que a justiça será feita…”
Abineu não deveria ter se preocupado com isso porque logo depois recebeu notícias dos moradores reclamando de novos ataques e roubos cometidos por outros de seus homens na aldeia próxima.
Deduções fiscais, Empréstimos e um precário “sistema bancário”
Os valores que discutimos anteriormente não eram cobrados integralmente. Estavam sujeitos a vários tipos de deduções. Uma porcentagem significativa era descontada com despesas como comida, roupas, armas e alojamentos. Esses descontos salariais eam motivo de constante reclamação dos legionários, muitas vezes resultando em motins, como o já mencionado no ano 14 d.C.
Além das retenções individuais, havia retenções comunitárias, por exemplo, para participação em certos festivais, despesas funerárias, etc. Em cada legião, havia dez bolsas de dinheiro contendo as economias de cada corte e uma bolsa adicional contendo os fundos necessários para cobrir as despesas funerárias dos legionários que morriam de doenças ou em combate.
Segundo Vegécio, os legionários eram obrigados a depositar metade de seu pagamento no tesouro do acampamento, o que os impedia de desperdiçar dinheiro e dificultava a deserção. O legionário podia deixar seu dinheiro no tesouro de seu acampamento de inverno, pelo qual o porta–estandarte da unidade era o responsável. Isto é confirmado por Suetônio, que conta que Domiciano, em 89 d.C., limitou esta quantia a apenas mil denários para evitar que algum usurpador seguisse o exemplo de Satunirnus que, usando os fundos da Legio XIV Gemina e da Legio XXI Rapax, tentou se rebelar.
“Proibido de duplicar os acampamentos das legiões, e não sofrendo depósitos recebidos superiores a 1.000 sestércios, porque Lúcio Antônio tinha duas legiões juntas no mesmo quartel de inverno, ele foi encorajado a se revoltar pela importância das somas reservadas” (Suetônio, Domiciano, VII, 4)
Conserva-se um curioso documento que detalha os movimentos contábeis de Quintus Julius Proculus Damascene, um soldado sírio que no ano de 81d. C. tinha uma “delicada” declaração financeira. Em Julho daquele ano, ele havia recebido 248 dracmas em seu crédito. Nos primeiros 4 meses, 182 foram deduzidos: para alimentação ($80), vestuário ($60), Saturnália ($20), botas ($12) e roupa de cama e alojamento ($10), ele tinha apenas $66 restantes, mas aparentemente estes também foram subtraídos dos dracmas de uma dívida anterior.
Aposentadoria
As disposições segundo as quais um soldado, após a dispensa, tinha direito a uma pensão equivalente foram obra de Augusto, que, no entanto, estendeu o tempo de serviço nas legiões de 20 para 25 anos. Sabemos por Dion Cássio que um pretoriano recebeu 5.000 denários após sua dispensa; um legionário, apenas 3.000 denários. Na Res Gestae de Augusto , lemos que ele doou quase 43 milhões de denários do seu próprio bolso para a dispensa dos legionários. Os cidadãos romanos eram obrigados a contribuir para o fundo de assistência por meio de impostos de 1% em leilões, 5% em despesas funerárias, além de uma parcela significativa do imposto geral de 2% devido ao Tesouro Romano.
Todos os membros das legiões eram obrigados a deixar uma parte de seu pagamento em depósito, e tais quantias acumuladas ao longo dos anos de serviço eram devolvidas a eles após a dispensa ou aos seus herdeiros legais em caso de morte. Eles também costumavam receber lotes de terra em locais próximos à localização de suas unidades, ao redor das colônias romanas onde os veteranos se estabeleciam. Às vezes, os lotes eram de má qualidade ou o tesouro romano não conseguia fornecer os pagamentos ou lotes de terra esperados, o que causava problemas na forma de motim. Essas colônias eram muito numerosas no território imperial e ofereciam ao governo a vantagem de ter cidades cheias de ex–soldados leais que poderiam ajudar em caso de rebelião. Sabemos por vários testemunhos que os soldados podiam solicitar empréstimos e adiantamentos aos cofres de sua coorte ou de seus companheiros a uma determinada taxa de juros. Em uma tábua encontrada em Carlos Quinto Cássio II, um legionário que servia no norte da Grã–Bretanha assinou um documento no ano 83 d. C. reconhecendo que:
“devo a Caio Gêmeo Mansueto, um soldado da minha própria legião, cem denários...”
Apesar de todos esses descontos e despesas adicionais, os soldados podiam economizar até 25% de seu salário anual.
Às vezes, os legionários escondiam seu dinheiro em tesouros e às vezes o carregavam consigo. Há evidências do uso de “bolsas” de bronze, um pequeno recipiente que era preso ao braço com uma fita. Uma dessas bolsas foi encontrada na Muralha de Adriano, aparentemente pertencente a um membro da guarnição de Birdoswald, contendo 28 denários de prata. Há outros testemunhos de que os soldados tinham dinheiro com eles. Em Dura–Europos, foram encontrados os corpos de vários soldados que ficaram presos no desabamento de uma torre, com as moedas que eles carregavam.
Preços em Pompéia em 79 d.C.
Estes os conhecemos muito bem, pois a erupção do Vesúvio congelou até as listas de preços pintadas nos muros. Foram preservados também muitos livros contábeis, faturas e bulas de entrega, com quantidade e variedade.
24 de Agosto de 79 d.C., a erupção fatídica.

Preços das mercadorias mais consumidas em Pompéia, no dia 24 de Agosto de 79 d.C.
O consumo médio de farinha era de cerca 4 módios (26 kg) ao mês, sempre considerando uma família de 4 pessoas, sendo que o pão constituía a parte principal da dieta diária.
De um módio de farinha (6,5 kg) se faziam de 15 a 20 pães de 1 kilo (em grande parte, dependia da mistura que podia ser adicionada) e que eram vendidos a 1/8 de denário. Portanto, o ofício de padeiro, em um mundo onde o pão era o alimento principal, era rentável, dado que a 1 denário de despesa correspondiam pelo menos 2 denários de retorno.
Pode-se tentar um paralelo Denário/Euro em base ao preço do pão. Tomemos como base o preço de 3 euros ao kilo (alto mas real) e chegamos a conclusão que 1 denário corresponderia a, aproximadamente, 24 Euros. Em Pompéia 4 kg de pão correspondiam a uma prestação sexual de uma prostituta. Interessante verificar que com o pão a 3 euros o kilo, ainda hoje a relação é quase a mesma.

Assim, verificamos que o salário de um legionário correspondia a 7.200 euros/ano, 600 euros por mês, o salário com a qual os aposentados sobrevivem com dificuldade na Europa. Na África é um valor respeitável, e equivale a 4 salários base na Tunísia ou no Egito. No Brasil, equivaleria a um salário mensal de aproximadamente R$ 1340,00 o que, para os padrões brasileiros seria considerado um bom salário.
Com estes valores uma túnica iria custar aproximadamente 72 euros (desconsiderando os chineses que produzem vestiário a baixo custo) e o vinho 12 euros o litro (um pouco caro mas não fora da realidade do mercado atual), portanto aparentemente a relação parece funcionar muito bem.
Podemos portanto, no que diz respeito ao primeiro século d.C., tentar a seguinte equação:
1 Denário = 24 Euros = 54 Reais
1 Sestércio = 1/4 de Denário = 6 Euros = 13,5 Reais.
Em Pompéia também apareceram os registros de um banqueiro, Iucundus, do qual recebemos informações muito interessantes sobre a economia e os escambos no primeiro século d.C.
A renda de uma companhia agrícola de médias dimensões (100 iugeros) era de 10.000 a 20.000 sestércios por ano. Convém esclarecer que o IUGERO era uma medida de unidade agrária romana, que correspondia ao terreno que se podia arar, em uma jornada de trabalho, utilizando dois bois. Correspondia, em média, a um terreno de pouco mais de 2.500 m2. O valor de compra e venda de um terreno agrícola era, aproximadamente, de 5.000 sestércios por iugero.
Iucundus emprestava dinheiro a juros ou o antecipava a mercadores, mediante um desconto sobre os débitos a serem saldados (algo parecido com a antecipação de fatura, feita atualmente pelos bancos). Os bens trocados: linho, madeira, escravos. Do seu arquivo emerge uma relevante atividade de empréstimos subdividida por faixas de valores:
12% empréstimos para cifras inferiores a 1000 sestércios
48% empréstimos entre 1000 e 5000 sestércios
24% empréstimos entre 5.000 e 10.000 sestércios
16% empréstimos para cifras superiores a 10.000 sestércios.

Figura acima: Follis de Maximiano, grande moeda de bronze introduzida durante a reforma monetária de Diocleciano.
O custo do dinheiro
A taxa de juros anual para um empréstimo era de 12% (reduzido a 4% para pessoas ilustres) enquanto o simples depósito não passava por taxações. A seguir, custos de alguns gêneros de consumo na metade do século III d.C.

Preços durante o século VI d. C.

Os preços praticados no Brasil
A história dos preços no Brasil não é gênero que tenha cativado a muitos historiadores. No entanto, muitos pesquisadores têm nos últimos anos procedido ao estabelecimento de séries de preços como recurso axial ou auxiliar, em particular para o período posterior a 1808, mas o mesmo não ocorre para os séculos XVII e XVIII.
Como bem destacou R. van Uytven, desde o advento da História Econômica a História dos preços tem desempenhado um papel importante. Mas apesar de os textos inaugurais datarem do século XIX, admite-se unanimemente que o esforço pela consolidação da importância do estudo dos preços para a História Econômica foi alavancado entre 1930 e 1933 no âmbito do International Scientific Committee on Price History, cujos membros assumiram a tarefa de publicar séries cronológicas de preços e salários de seus países de origem sob uma metodologia comum, para facilitar a comparação dos dados.
Em 1846, o Império conseguiu o primeiro orçamento superavitário por conta das novas rendas da Alfândega. Nessa época, uma saca de café era comprada por 12$000 réis e um escravo comum chegava a valer 350$000 réis; os escravos com habilidades (carpinteiro, fundidor¸maquinista, etc) podiam ser comprados por 715$000 reis.
Em 1854, a receita total do Império foi de 35.000 contos de réis. Entre 1856 e 1862, em Vassouras, com um conto de réis (1:000$000 = 1 milhão de réis) comprava-se um escravo. Em 1860, com o mesmo conto de réis (1:000$000 = 1 milhão de réis) comprava-se 1 kilo de ouro.
De 1840 a 1870 - Foi o apogeu econômico do Império com o dinheiro muito forte. Nesse contexto todos os dados econômicos e as fortunas de alguns fazendeiros, abaixo mencionados, são da década de 60 do século XIX e, para haver similitude de valores, foi feita a atualização monetária (século XXI), utilizando como parâmetro o grama do ouro, cotado a R$ 90,00 (noventa reais).
Observação: Conto de réis é uma expressão adotada no Brasil e em Portugal para indicar um milhão de réis. Um conto de réis correspondia a mil vezes a importância de um mil-réis que era a divisionária, grafando-se o conto com Rs. 1:000$000.
Em 1860 o orçamento estabelecido pela Lei 1.114 de 27/9/1860, estipulava a dotação anual de 800.000$000 (800 contos de réis) para o Imperador e de 96.000$000 (96 contos de réis) para a Imperatriz.
No mesmo ano, para ser nomeado Senador do Império, o interessado tinha que comprovar uma renda anual de 800$000 (oitocentos mil réis) o que, utilizando o parâmetro adotado (R$ 90,00 reais para o grama do ouro fino), corresponderiam a uma renda anual de R$ 72.000,00 ou seja, R$ 6.000,00 por mês, considerada elevadíssima para a época. Em 67 anos de Império foram nomeados apenas 235 Senadores, que era um cargo vitalício.
Em 1861, a libra esterlina correspondia a U$ 5,00 dólares e em 1865, a mesma libra vavia $10 réis.
De 1852 a 1857 , a exportação do café fluminense foi de 92% do total exportado pelo Brasil, conferindo à cidade de Vassouras o status de “a mais rica cidade do Império, cidade dos Barões por excelência, enquanto Santos (SP) exporta apenas 6% do total da produção brasileira.
De acordo com uma tabela de 2/4/1860, ser nobre no Brasil custava, em contos de réis:

Os valores acima foram atualizados considerando o grama do ouro a R$ 90,00. O preço de um escravo entre 1856 a 1862 era de 1 conto de réis (1:000$000).
A seguir vê-se a comparação entre a riqueza de um fazendeiro (1) que habitava longe da corte com as de outros três (2; 3 e 4) que trabalhavam junto à corte:
Fazendeiro (1) – 1º Barão de Cajurú, em 1869 era considerado rico, possuía uma fortuna que, usando o parâmetro já estabalecido, corresponderia atualmente a quase R$ 40 milhões de reais.
Fazendeiro (2) – Visconde do Rio Preto, em 1868 era considerado muito rico, acumulando fortuna equivalente a R$ 360 milhões atuais, com uma renda anual de US$ 2.43 milhões (dólares americanos).
Fazendeiro (3) – Comendador Joaquim José Souza Breves, em 1860 era considerado um dos fazendeiros mais ricos do Império, com uma renda anual que hoje corresponderia a US$ 8,31 milhões (dólares americanos).
Fazendeiro (4) – Visconde de Mauá (1865), banqueiro, industrial e fazendeiro mais rico do Império. Possuía fortuna equivalente a mais de R$ 2 bilhões de reais atuais. Em 1865 a fortuna pessoal de Mauá era de 10.000 contos de réis, que equivaliam a 1/10 do total das exportações brasileiras do ano e a 10.000 kilos de ouro na época. Em 1867 o capital de sua firma MAUÁ & Cia. era de 115.000 contos de réis, que equivaliam a 12 milhões de libras esterlinas ou 60 milhões de dólares americanos. A seguir, algumas referências econômicas da época para melhor entendimento do que significava esta enorme fortuna de 115.000 contos de réis do Visconde de Mauá:
1. Em 1867, o Orçamento de todo Império do Brasil era de 97 mil contos de réis.
2. Cornelius Vanderbilt (era o homem mais rico do sec. XIX) deixa herança de 100 milhões de dólares.
3. Em 1865, o Banco da Inglaterra tinha ativos de 43 milhões de libras.
4. Em 1854, todo o comércio internacional do Brasil era de 175,9 mil contos de réis.
Em 1870 teve sua fortuna reduzida para 80 mil contos de réis e em 1876 não era mais o titular da firma Mauá & cia. tendo sua fortuna reduzida a 10 mil contos de réis que, na época, equivaliam a 1,1 milhão de libras esterlinas. Contudo ainda era o homem mais rico do Império, com sua Cia. Agrícola Pastoril que era um sucesso.
Em 2/7/1878 o Visconde de Mauá decretou sua própria falência. Para pagar todas as dívidas com os seus credores, pôs à venda tudo o que tinha, restando ainda 1,5 mil contos de réis de sua Cia. Agrícola Pastoril.
A partir de 1885 O Visconde de Mauá era considerado apenas um homem rico, desiludido e doente, refugiado em Petrópolis, com uma empresa de corretagem no Rio e estâncias de gado no Uruguai, passando temporadas entre Lambari e Poços de Caldas para cuidar do diabetes. Mauá faleceu em 21/10/1889, pouco antes do golpe militar que proclamou a República, exilando seu amigo, o imperador D. Pedro II.
Para se ter uma idéia do que era possível comprar com os réis republicanos, o leitor encontrará nas duas páginas seguintes, a reprodução de parte do Diário Oficial da União (páginas 75 e 76), publicado em 5 de Março de 1932. A partir de um “mapa comparativo dos preços apresentados na concorrência administrativa para fornecimento de gêneros alimentícios, realizada em 18 de Fevereiro de 1932” pode-se ter uma noção bastante precisa dos preços praticados ao consumidor durante os anos 30 do século XX, ocasião em que Getúlio Vargas era presidente do Brasil.
Autor: Rodrigo Maldonado
Bibliografia consultada:
Le Vite, Vasari Giorgio, Newton Compton Editori
Corpus Nummorum Romanorum (dal vol. I al vol. XVIII) Banti - Simonetti
Monete di Italia antica e Magna Grecia, Montenegro Eupremio
Monete imperiali romane in oro, argento, bronzo. Milano, 19 gennaio 1956. Ratto Mario
Corpus Nummorum Italicorum, Vittorio Emanuele III di Savoia
Descrizione storica delle monete, impero romano, Cohen Henry
Mauá: Empresário do Império, Caldeira Jorge
Cronaca Numismatica, revista de publicação mensal, Editoriale Olimpia di Sesto Fiorentino
A escravidão no Brasil, Pinsky Jaime
La Moneta nella Storia, Forzoni Angiolo, Istituto poligrafico e Zecca dello Stato
Roma Antica, Storia della città eterna dalle origini alla crisi dell'Impero, Cerchiai - Mainardis - Manodori - Matera - Zaccaria, Newton Compton Editori
L’ultimo giorno di Roma. La trilogia di Nerone, Angela Alberto
Viaggio nell'Impero di Roma seguendo una moneta, Angela Alberto



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