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Villa-Boa de Goyaz

Na Biblioteca Nacional de Lisboa aparecem, de vez em quando, novidades de toda a ordem no manancial de documentos antigos, que nela existem.

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Na seção do Arquivo de Marina e Ultramar, dentro de um maço de manuscritos dos anos 1782 a 1784, referentes a assuntos da antiga capitania brasileira de Goyaz é [1], foi encontrado um caderno de folas soltas, que contém as seguintes peças inéditas:

1. A segunda via da representação enviada pelo Senado da Câmara a D. Maria I, em 21 de junho de 1780, contra a circulação do ouro em pó como moeda corrente.

2. O ofício original do governador Luis da Cuna Meneses, de 10 de maio de 1783, com que enviou para o reino a sua informação relativa ao assunto.

3. O original da mesma informação, acompanado da estampa de um projeto de moedas especiais, em prata e cobre, destinadas a terem curso na capitania.

4. Dois cálculos de senhoriagem que se poderia haver pelo fabrico do numerário.

5. Três cópias textuais de leis monetárias da época de D. José I, hoje conecidas, acompanam a informação do governador.

Estes materiais de prosa antiga, prolixa, pesada, e a estampa alarmante das figuras, prenderam a nossa atenção.

Fundados da substância do processo, que nos abstemos de escrever aqui pela sua abundante matéria, faremos algumas considerações em torno das idéias nele expressas, revelaremos vários acontecimentos ignorados e exibiremos a estampa. A quem desejar conecer os documentos na íntegra, fica já indicado o lugar onde os pode consultar.


[1] Esta palavra tem sido escrita de diversas maneiras: Goiá (mais antigamente), Goias ou Goiâs, nas moedas, Goyaz e Goyás (em vários documentos).


Teixeira de Aragão escreveu, na página 295 do volume I do seu trabalho numismático, que também convém trazer à luz dos acontecimentos, quaisquer moedas não autênticas, e assim o fez por diversas vezes. Em virtude desta licença, dada pelo mestre, os projetos de cunhagens, quando são efeitos de autorização, e não obra de anônimos, prestam-se ao estudo da numismática, embora ocupem posição especial em seções reservadas.

O projeto de que iremos tratar aqui, é digno do apreço dos numismatas. Porém, antes de entrar na matéria, convém que, em rápido bosquejo, se dê idéias da história do “país” de Goyá.

Em meados do século XVII, a capitania de São Paulo, uma das mais vastas do Brasil, compreendia no interior territórios desconhecidos, habitados por tribos de aborígenes, que viviam da pesca fluvial e da caça, absolutamente estranhos ao contato com o mundo civilizado. O espírito aventureiro da época não se propunha a desvendar os mistérios e riquezas naturais daqueles sertões, ou por falta de iniciativa do governo de São Paulo, ou porque presumia quão temíveis seriam os esforços que ele teria de empregar para o bom êxito do empreendimento.O desconhecido aterrava resoluções incipientes.

Ainda era geral a apatia entre fidalgos e homens de negócios, quando o paulista Manoel Correia, originário da plebe, audacioso e enérgico, da têmpera daqueles portugueses que com esforço da espada pretendiam sacudir de Pernambuco o domínio holandês, no decorrer do ano de 1647 partiu de São Paulo para as bandas do ocidente, sem destino previamente calculado, seguido de uma bandeira de aventureiros caçadores de escravos. Afrontando trabalhos e perigos de toda a ordem, embrenhou-se nas florestas do país de Goyá, onde encontrou amostras de bom ouro, mas em breve regressou à sede da capitania, mais fatigado e descrente que enriquecido, esquecendo-se finalmente do sertão que descobrira, como se fosse um sonho febril.

Outro aventureiro paulista, Bartolomeu Bueno da Silva, que teve em mãos, ou havia apenas consultado, o roteiro de Manoel Correia, em 1682 ausentou-se de São Paulo com um filho, do mesmo nome que ele, ainda na verdura dos seus 12 anos, capitaneando uam companhia de homens de confiança com destino a Goyá.


O aventureiro não tinha idéia de colonizar aquele novo país, cujos naturais eram de índole pacífica; apenas intentava escravizar e enriquecer. Apresentou-se como senhor autoritário, lançando fogo à aguardente no côncavo de um prato de estanho, para que os selvagens lhe reconhecessem o poder de queimar os rios e as fontes, como que para os ameaçar com a fome e a sede, conseguiu que o encaminhassem a lugares onde o ouro existia quase à superfície do solo, ou no quartzo das montanhas.

Feito o carregamento de metal precioso, organizada a leva de escravos, recrutados nas tribos que o tinham acolhido benevolamente, regressou a São Paulo.

Governava a capitania Rodrigo Cesar de Menezes Sabugosa (1721 – 1726), quando Bartolomeu Bueno, o moço, resolveu, em 1722, visitar o país onde seu pai o conduzira 40 anos antes, com o fim de adquirir ouro e pedras preciosas.

Na tradição dos Goyazes vivia ainda a lembrança do vexame sofrido por muitos dos seus antepassados, que a escravidão arrancara das tabas; portanto a nova expedição, entregue aos próprios recursos, enfraquecida por enfermidades e misérias, foi um verdadeiro desastre.

Finalmente, por iniciativa do capitão–general governador, em 1725 organizou-se numerosa expedição armada, composta de frecheiros, mosqueteiros e cavalaria. Bartolomeu Bueno, à testa dela, conseguiu fundar entre os Goyazes o arraial Santa Anna, junto às margens do Rio Vermelho, onde colheu 8.000 oitavas de ouro. Este êxito determinou a emigração de indivíduos de várias raças e de várias classes sociais para aquelas paragens.

O arraial prosperou. Por Ordem Régia de 14 de Março de 1731, o itrépido sertanista obteve carta de capitão–mór de Goyaz. Outra Ordem Régia, com data de 11 de Fevereiro de 1736, elevou a povoação de Santa Anna à categoria de Villa e cabeça de comarca com o nome de Villa–Boa de Goyaz, para que fosse perpetuada a memória do fundador e dos íncolas do país.

Desenvolvida notoriamente a prosperidade da comarca, o Alvará de 8 de Novembro de 1744 desanexou-a da capitania de São Paulo e mandou que fosse constituída capitania independente.

No fim do reinado de D. João V tinha Villa–Boa situação comercial desafogada. Haviam caminhos abertos para São Paulo, transitados por comboieiros e negociantes que traficavam para os portos de mar, e gozava de melhoramentos materiais, mercê da lavra do ouro, que desde a criação do arraial primitivo tinha aumentado progressivamente de ano para ano e beneficiado o imposto do quinto, esse direito senhorial devido à el-rey, como fruto das terras cujo domínio possuía. Esta contribuição de 20% incidia no ouro antes de apurado e fundido em barras. No Governo de D. Marcos de Noronha extraíram0se das minas do Cocal 160 arrobas de ouro. Só no ano de 1753, o rendimento do quinto na capitania montou a 169.080 oitavas de ouro.

Como se vê, a lavra foi de extrema importância. E não se pode aludir à quantidade de ouro confiscado, perdido, sonegado pelos escravos matriculados e que trabalhavam nas minas, consumido na fundição das barras ou, principalmente, extraviado. O abuso, neste último particular, foi de tal ordem que motivou a Carta Régia de 23 de Fevereiro de 1731, qu eestabeleceu Registro de passagem do rio Jaguary para o manifesto do ouro que os viajantes transportassem de Villa–Boa para São Paulo.

No começo do reinado de D. Maria I, época da qual iremos nos ocupar relativamente ao meio monetário em Goyaz, a lavra do ouro afrouxára, e contudo as montanhas tinham sido apenas arranhadas à superfície; guardavam no seio filões de incalculável riqueza. O sitio em que se ergueu posteriormente a povoação de Ouro–Fino — onde Bartolomeu Bueno, o moço, encontrára ouro de elevado quilate — e outros lugares, célebres por aventuras de mineração, estavam ermos. Idos e os faisqueiros buliçosos, a montanha voltou à poesia da solidão, e ali a sapucaia altiva pode novamente receber os liames do cipó entrelaçados ao pau de arco de flores amarelas.


Lavagem do ouro, Minas Gerais, 1880. Foto Marc Ferrez Acervo Instituto Moreira Salles
Imagem acima: Lavagem do ouro, Minas Gerais, 1880. Marc Ferrez. Acervo Instituto Moreira Salles.

A vida agreste voltou à primitiva tranquilidade pela indolência natural do povo, que não se animava a constituir empresas ou sociedades, mais ou menos fortes, para realizar exploraçõessegundo os preceitos da montanistica (Tratado sobre a extracção e fusão dos metais).

Em 1780, o melhor empenho dos proprietários e dos agenciosos era escravizar selvagens para o preparo das terras e desenvolvimento material das indústrias. Os tempos tinham mudado as idéias e os costumes. O próprio ouro virgem, sublime na sua essência, já não coroava ambições; ficava ao desamparo! Ainda hoje se diz que a atual cidade de Goyaz assenta numa mina, jamais explorada, e que é fácil encontrar pepitas do metal precioso nos logradouros das habitações, feita que seja uma cova de pequena profundidade.

Em 1780, pela força da Lei de 3 de Dezembro de 1750, a moeda colonial brasileira não corria na Capitania de Goyaz.

No circuito daquele acanhado meio comercial circulava ouro em pó e em barras. Não havia moeda de cobre e faltavam, quase que absolutamente, os padrões de prata cunhados na Bahia, de 1752 a 1768, e no Rio de Janeiro, de 1754 a 1774, cujos valores eram equivalentes ao ouro não quintado, na razão 1$200 réis a oitava e nas proporções seguintes:


600 réis = 16 vinténs, ou ½ oitava de ouro, representados por 363¾ grãos de prata.

300 réis = 8 vinténs, ou ¼ de oitava de ouro, representados por 181⅞ grãos de prata.

150 réis = 4 vinténs, ou ⅛ de oitava de ouro, representados por 9015/16 grãos de prata.

75 réis = 2 vinténs, ou 1/16 grãos de prata, representados por 45 15/32 grãos de prata.


Chamavam-se moedas mineiras, porque eram privativas das comarcas onde se lavrava o ouro. Faltavam em Goyaz porque os viajantes as levavam para despesas que tinham de fazer desde as Casas dos Registros até São Paulo, onde corriam a par da moeda geral. pela mesma razão faltavam em Villa-Rica, Sabará, Rio das Mortes e Serro-Frio, comarcas encravadas no coração do Brasil.

A ausência destes padrões monetários no comércio a miúdo, tornava necessário e constante o giro do ouro em pó, que prejudicava o público e encarecia os gêneros de primeira necessidade. Vejamos as principais causas da sua condenação:

O desejo mais veemente do escravo resumia-se na posse da Carta de Alforria, mensageira de direitos cívicos qu eentão eram ficticiamente iguais ao do homem branco, livre. Portanto, das compras de 1 a 8 vinténs, sonegava grãos de ouro, pedaços da liberdade futura. No silêncio das horas recolhidas, assim enriquecia o seu tesouro, oculto no esconderijo da montanha ou nas cavidades das árvores seculares. Este processo era mais cômodo do que faiscar ouro nos mais recônditos sertões, foragido, entregue à sorte. No regresso à casa do senhor, queixava-se de que o ouro não chegara para a totalidade das despesas, ou alegava que as balanças e os pesos das tendas eram instrumentos de fraude em poder dos vendeiros, por ser frouxa a vigilância do Senado da Câmara, que as não aferia, ou selava, como se dizia então.

Mas o escravo nem sempre era o único responsável pelas faltas nso pagamentos. Sucedia que tênues partículas de ouro aderiam à balança ou que quando nela era colocado, “às pitadas”, deixava restos, nem sempre imponderáveis, nos dedos do comprador.

O escravo levava o ouro em papel de má qualidade e no “embrulhar e desembrulhar”, arriscava-se inconscientemente, quando era honrado. E quantas vezes o fiel da balança era o prejudicador, fatigado e gasto pelo exercício contínuo.

Abundavam pobres e compradores de ouro a miúdo, que com estas ou equivalentes contrariedades criminosas guardavam um sentimento de tédio pelo ouro, e que os impressionava e movia até a queixa. E já tinham decorrido muitos anos sob o regime de tal meio monetário circulante. Estima-se que de cada 100 oitavas de ouro, se perdiam 5% anualmente.

A “moeda” que circulava isenta de reduções, como se fosse cunhada, era a barra de ouro, cômoda, de fácil fabricação e de peso que a balança não tinha como verificar. O quilate, conhecido pelo toque e não por ensaio, o peso marcado, e o carimbo da respectiva Casa de Fundição, davam-lhe legalemente autenticidade e poder de intervir em toda a ordem de transações; portanto não tinha inimigos.

Hoje são conhecidas poucas barras desta época, fundidas em Goyaz. Reproduz-se um exemplar do ano de 1814, inédito, que pertencia à coleção do Sr. Joaquim Gomes de Sousa Braga, residente no Rio de Janeiro.

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É o singular caso desta barra da figura acima, ter gravada a sua procedências GOIAS, na parte central junto à orla superior. Barra Nr. 587, autêntica, fabricada em 1821, ensaiador IJB (Ignácio João de Bulhões), peso: 1 onça, 7 oitavas e 33 grãos, aproximadamente 55,43 gramas, toque 23 quilates. Ex-coleção Guilherme Guinle, empresário que controlava os portos do Rio e construiu o Hotel Copacabana Palace. Em 1941, Kurt Prober presenteou-o com uma foto deste lingote.


Em todos os exemplares de outras comarcas, a designação é compreendida no carimbo que contém o escudo das armas do reino, batido na extremidade esquerda do anverso, como se pode ver na figura a seguir, onde se lê, nitidamente, o nome da Casa de Fundição de SABARÁ. Barra Nr. 3523, autêntica, escudo barroco, fabricada em 1813, ensaiador JPP (sigla no avreso, no alto, à direita) de José Pinto Pereira, peso de 1 onça e 24 grãos, aproximadamente 29,90 gramas, toque 21 quilates.

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Algumas barras eram produtos de indústria anônima, forjadas na “escuridão”. O próprio ouro em pó não se eximiu a mistificações; em algumas comarcas, era misturado com latão. Contra este crime, em particular, houve leis especiais, enviadas pela Metrópole ao governador da Capitania de São Paulo, em 28 de Janeiro de 1735 e em 8 de Maio de 1746.


Em meados do século XVI, os portugueses já estavam cientes das riquezas metálicas de suas terras recém-descobertas. Na década de 1670, o ouro em pó circulava como moeda no Brasil colonial e, para regular e tributar a extração do ouro, fundições foram estabelecidas no Rio de Janeiro (1703), Bahia (1714) e Minas Gerais (1724). Após receber um corte de 20% (ou "quinto"), o ouro era fundido e um lingote era cunhado. Com o certificado (ou "guia") que o acompanhava, o ouro era monetizado e colocado em circulação.


A grande maioria dos lingotes brasileiros era produzida nas cidades mineradoras de Minas Gerais, como Sabará e Vila Rica. Muito menos ouro foi encontrado no estado de Goiás, a noroeste de Minas e a mais de 1.500 km do interior.


Prédio onde funcionou a antiga Casa de Fundição de Goiás. Nesse endereço, após adaptações feitas em edifício residencial até então de propriedade de Domingos Lopes Fogaça, foi instalada a Casa de Fundição do ouro no ano de 1752. Os últimos registros documentais das atividades da fundição datam de 1822, coincidindo com o período da decadência do ciclo da mineração. Atualmente é sede do Ministério Público, com endereço na Rua da Fundição, nr. 1.
Prédio onde funcionou a antiga Casa de Fundição de Goiás. Nesse endereço, após adaptações feitas em edifício residencial até então de propriedade de Domingos Lopes Fogaça, foi instalada a Casa de Fundição do ouro no ano de 1752. Os últimos registros documentais das atividades da fundição datam de 1822, coincidindo com o período da decadência do ciclo da mineração. Atualmente é sede do Ministério Público, com endereço na Rua da Fundição, nr. 1.

Nota: Uma das sedes da Justiça Federal e, provavelmente, da Procuradoria Seccional da República no Estado de Goiás, na antiga capital, Cidade de Goiás, foi a Casa da Fundição. No Expediente do Ministério da Fazenda enviado ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores em 1901, podemos ver uma solicitação para que o referido prédio fosse colocado à disposição do Juízo Federal da Seção de Goiás. Desde o período dos Bandeirantes até o início do século XIX, a economia goiana era baseada principalmente na extração de ouro. Nesse período colonial, a Casa da Fundição era o local onde o ouro em pó e/ou pepitas eram fundidos em barras. A parte recolhida como imposto era enviada para a Coroa Portuguesa. O local foi desativado em 1822, ano da Independência. Após esta data, o imóvel teve outras utilidades. Serviu, inclusive, como depósito de material bélico e sede da Justiça Federal


As causas que promoviam o desagrado geral contra a circulação do ouro em pó, fundaram a necessidade de se criar moeda especial para a Capitania que não tinha comércio com o estrangeiro, — moeda que para além dos Registros, não tivesse curso e não valesse mais que intrinsecamente, e neste intuito o Senado da Câmara, em 21 de Junho de 1780, entregou ao governador Luis da Cunha Meneses, uma súplica à D. Maria I, igual à outra que o Senado de Villa-Rica enviara em 19 de Dezembro de 1778.

A critéria de sua Majestade, oferecia-se pro em prática um projeto de moeda provincial, em prata e em cobre. Seria cunhada na oficina monetária do Rio de Janeiro, ou na Bahia, e remetida anualmente, n arazão de 4 contos de Réis, ao Tribunal da Real Fazenda de Goyaz, onde os habitantes a tomariam em troca do ouro em pó. Nesta permuta, se o custo dos metais para o fabrico das moedas, fosse de 1 conto de Réis, a Fazenda Real lucraria 3 contos. O Senado, ao passo que suplicava, referia-se especialmente à esta vantagem direta, que recomendava a súplica.

Teria a nova moeda de prata, diâmetros inferiores aos da moeda mineira, mas não se declarava em que proporções. Seriam emitidos padrões de:


  • 300 Réis, ou 8 vinténs, na razão de ¼ de oitava, correspondentes a 18 grãos de ouro.

  • 150 Réis, ou 4 vinténs, na razão de ⅛ de oitava, correspondentes a 9 grãos de ouro.


A moeda teria gravada nos símbolos a letra “GOYAZ”, para não passar para fora dos Registros.

Para a moeda de cobre, propunham-se diâmetros e pesos iguais aos da moeda geral, a mais recente, cunhada em Lisboa desde 1778, que tinha os valores de XX e X Réis marcados, como está figurada na estampa de Meili, com os números 17 com 35 milímetros e 18 com 29 milímetros. Este cobre valia 640 Réis por arratel, na razão de 5 Réis pro oitava.

Para as moedas propostas o valor do metal subiria até 10 Réis por oitava, e assim conordaria com o preço do cobre dos padrões XL e XX Réis, cunhados em 1722, especialmente destinados para as comarcas de Minas Gerais (números 46 e 47 da estampa XII de Meili).

Os padrões propostos eram dois:


  • 75 Réis, ou 2 vinténs, correspondentes a 4½ grãos de ouro, com o peso de 288 grãos ou 4 oitavas de cobre (figura a seguir).

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  • 37½ Réis, ou 1 vintém, correspondentes a 2¼ grãos de ouro, com o peso de 144 grãos ou 2 oitavas de cobre (figura a seguir).

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Luis da Cunha, só em 10 de Maio de 1783, se resolveu a responder à Carta Régia de 2 de Junho de 1781, passada pelo Conselho Ultramarino. Este documento ordenava-lhe que informasse acerca da súplica referida e também com relação àquela que o Senado de Villa-Rica enviou à D. Maria I, em 1778.

Na informação remetida ao Secretário de Estado Martinho de Mello e Castro, sucessor do Marquês de Pombal, o governador encarecia a importância e justiça das súplicas perante a Majestade Real, aludia aos motivos que as originaram e adicionava uma estampa representativa dos tipos monetários que convinha adotar, desenhados à pena como nas imagens a seguir:


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Certamente, por deliberação dele, o primitivo projeto fora modificado pelo modo seguinte: Seriam emitidos 5 padrões com valores acomodados aos pesos do ouro em pó, a saber:


Moeda de prata

  • 600 Réis ou 16 vinténs = ½ oitava ou 36 grãos de ouro.

  • 300 Réis ou 8 vinténs = ¼ de oitava ou 18 grãos de ouro

  • 150 Réis ou 4 vinténs = ⅛ de oitava ou 9 grãos de ouro

  • 75 Réis ou 2 vinténs = 1/16 de oitava ou 4½ grãos de ouro.


Moeda de cobre

  • XXXVII½ Réis ou 1 vintém = 1/32 de oitava ou 2¼ grãos de ouro.


Estas moedas não sairiam da Capitania; a administração da Real Fazenda do Rio de Janeiro ministraria barras de prata e de cobre com que fossem cunhadas na Real Casa de Fundição de Goyaz, provida como estava de oficiais habilitados e de material para esta ordem de trabalhos.

A importância de 12 mil Cruzados anualmente, bastava para que a Capitania em breve tempo fosse dotada com o numerário suficiente para o comércio interno e pagamentos de quaisquer contribuições devidas à Fazenda Real.

O governador asseverava que esta moeda mereceria mais estima do que o ouro em pó. Dava como exemplo o padrão de 600 Réis, que pelo seu volume era preferido à uma oitava de ouro, ou 1$200 Réis, a qual após algum tempo de giro no comércio perdia infalivelmente grande parte do seu valor.

Convinha fazer a contagem como era de uso nos portos do mar, isto é, em São Paulo, e neste caso a pataca (300 Réis) seria a unidade monetária.

Acerca de vantagens atribuídas à nova moeda referia-se à baixa que ela devia causar nos preços dos gêneros de consumo, à entrada do ouro circulante na Casa de Fundição e, por este fato, ao aumento de imposto do quinto. Encarecia os proventos da senhoriagem, como demonstrava em dois cálculos apensos à informação, assinados e elaborados por Manoel Rodrigues da Costa, que provavelmente era funcionário superior na Casa de Fundição.

Transcrevemos estes dois documentos, a seguir:


“Cálculo das despesas que se podem fazer com a condução de dez mil Cruzados em barras para se comprar prata no Rio de Janeiro, e o que poderá render de Direito Senhorial.”

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Nota: Neste cálculo não se alude ao peso bruto da prata e por isto é impossível saber-se hoje quanto deviam pesar as moedas propostas.


"Cálculo das despesas que se podem fazer com a condução da quantia de 400$000 rs. em barras para se comprar cobre no Rio de janeiro, e o que poderá render o Direito Senhorial."

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Por este cálculo, o vintém de ouro, ou 37½ Réis de cobre, pesaria 5 oitavas, isto é, uma oitava a mais do que o padrão XX Réis da moeda geral, cujo mesmo diâmetro adotava.

A estampa representativa das moedas, contra a moda do século XVIII, não foi emoldurada com arabescos fantásticos, ramagens de arbustos e outros ornatos, como se vê em mapas, relações, contas, etc., da mesma época. Foi desenhada em papel comum, plebeiamente, como se não houvesse de subir ao trono da Majestade Real. Contudo, os tipos são expressivos, regularmente delineados.

A imagem relativa aos 600 Réis é quase perfeita. No campo a letra M (MARIA), entre florões, é encimada pela coroa real, larga, porém de mediana altura. No exergo •1783•, entre pontos; à esquerda •600• e à direita •GOIÂS•, também entre pontos.

No reverso, a Esfera Armilar sobre a Cruz da Ordem de Cristo, com a letra G(GOIÂS), no centro. A Cruz reparte em quatro grupos de letras a legenda clássica das moedas de prata provincial SVBQ—SIGN.—NATA—STAB. O ponto colocado por cima da letra Q é quase imperceptível. Este sinal oculto já era de uso antigo em moedas brasileiras de prata. Começou no reinado de D. Pedro II de Portugal, em 1695. Até 1822 tomou 5 posições diferentes junto à letra Q, acima, à esquerda baixa ou alta (.Q), à direita baixa ou alta (Q.), e duplicou-se em Q. Esta letra, só muito raramente deixou de ser acompanhada pelo seu ponto satélite.


A designação da Capitania, indicada por extenso no anverso, era novidade desnecessária, pois bastaria a letra G no reverso. Desta duplicação deixada de participar a moeda de cobre, por não ter espaço onde a primeira indicação fosse acomodada.

Compare-se o tipo monetário da prata com o da moeda mineira, cunhada na Bahia em 1758, com a mesam moeda cunhada em 1774 no Rio de janeiro.

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Da comparação resulta que, além das diferenças principais já apontadas, o diâmetro da moeda de 1783 não era exagerado.

Nos padrões de 300, 150 e 75 Réis, vê-se idêntico tipo monetário, guardadas entre eles as proporções irregulares de diâmetro. Este último, cuja emissão cessara em 1760, era restaurado.

O desenho referente à moeda de cobre é de singular novidade. Tem no campo o valor XXXVII½ encimado pela coroa real, ampla em demasia. No exergo •1783• e na orla, em círculo, a legenda MAR[IA]•I•ET•PET[RUS]•III•P[ORTUGALIÆ]•ET BRAS[ILIÆ]•REG[ES]•

Nesta legenda, quase semelhante à das moedas coloniais de XX Réis, cunhadas em Lisboa desde 1778, nota-se a aplicação da letra T na conjunção ET junto a BRAS, o que constitui uma superfluidade gráfica. Por erro imperdoável pode classificar-se aquela mistura hibrida de algarismos romanos e hindu-arábicos em XXXVII½ Réis

No reverso, a Esfera Armilar, com a letra G ao centro, é circundada pela legenda PECUNIA TOTUM — CIRCUMIT•ORBEM.


E tal era o tipo do vintém de ouro, representado em moeda cunhada, a novidade mais interessante de todo o projeto.

Hoje lamentamos que estas moedas não fossem cunhadas, depois de regulados convenientemente os símbolos, diâmetros e pesos. Seriam as únicas coloniais brasileiras marcadas com letra monetária no tempo de D. Maria I e D. Pedro III, visto que as dobras de 4 escudos e as suas frações da mesma época, que receberam as letras B e R, eram destinadas principalmente à circulação monetária do reino.

D. Maria I não ouviu a súplica do Senado; ignora-se por que motivo. O govenrador não era contrário à causa, porém prejudicou-a pelo fato de ter demorado quase dois anos a informar o pedido. Ele disse:

“– Depois de eu ter procurado este benefício (a nova moeda) a estes povos aos pés do Real Trono de V. M. assim como acabo de referir, nada posso estimar tanto, como ter esta ocasião de me repetir novamente em seu benefício, rogando à V.M. para eles esta mesma graça, e expondo-lhes o que mais me ocorre sobre esta mesma matéria para o efeito de mostrar mais evidente o bem fundado das referidas súplicas que a V. Majestade se tem feito.”

Foi só algumas semanas antes de ser transferido para o governo de Minas Gerais, que tratou deste negócio pendente. E resolver-se-ía a isso por ter ouvido as vozes do clero, do Senado e da classe mercantil, entoadas até a censura ou tão ameaçadoras, que o impelissem a erguer a sua própria voz?

Se era poderoso como autoridade militar e administrativa, a classe mercantil, principalmente, não lhe era inferior como potência moral que regia a seu talante a vida ativa na Capitania.

Luis de Meneses, fora das praxes burocráticas, devia recomendar aos seus amigos da Metrópole uma causa tão justa. Parece que não procedeu assim. E talvez seja este o motivo por que as moedas de Goyaz, visões de um sonho quase fantástico, não foram cunhadas. São apenas a memóri de uma aspiração malograda. Apesar do seu caráter teoricamente ostensivo, é justo ligá-las à vida histórica da numismática brasileira dos tempos coloniais.


Bibliografia:

Texto adaptado do original de Manoel Joaquim de Campos, publicado em Lisboa, em Novembro de 1904, no periódico "O Archeólogo Português" (volume IX, números 11 e 12), sob o título "As Pretensões Monetárias de Villa-Boa de Goyaz".


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FIM



 
 
 

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